
Fernando César Ferreira Guimarães e Júlio César Guimarães

As mãos que criam, criam o que?
Esculturas e objetos utilitários - vasos, porta-joias, jarros, pratos - feitos à mão com uma pedra
conhecida popularmente como pedra-sabão, que é na verdade uma rocha encontrada nas
camadas profundas da crosta terrestre, de superfície lisa e aveludada ao toque. Se tornou
famosa nas mãos de um dos maiores artistas brasileiros, Aleijadinho. Escultor, entalhador,
arquiteto e carpinteiro, no período colonial ele imprimiu na pedra sabão características que
inauguraram o barroco brasileiro, um estilo exuberante, marcado pela presença abundante de
detalhes e ornamentos.
O artista descobriu a pedra devido a sua maciez, no período em que - diagnosticado com uma
doença grave que deformou os membros de seu corpo, sobretudo as mãos - passou a
enfrentar dificuldade em talhar na madeira, material extremamente rígido, e incorporou em
seu trabalho a pedra sabão. O material possui dois diferentes graus de dureza. Esteatito,
também conhecida por pedra talco é uma dessas variedades. Composta de diversos minerais
mas sobretudo de talco, é uma rocha banda, de baixa dureza o que lhe confere a facilidade em
manuseá-la. A outra variedade da pedra, com grau de rigidez bem maior, é usada pelos
artesãos locais no feitio de tradicionais panelas de pedra, pois permitem altas temperaturas.
Em cores que vão do cinza ao verde e aceitando qualquer tipo de ferramenta, é esse o material
sobre o qual os irmãos Julio César e Fernando Guimarães se debruçaram e construíram sua
arte pelas últimas quatro décadas. Peças delicadas e com traços precisos são fruto de
habilidade e paciência. Mesmo trabalhando juntos há tanto tempo, entregam características
distintas em suas criações. ”A pedra sabão ela dá igual batata doce, debaixo da terra. Ela dá
bruta, a gente pega por tonelada.”
A pedra é extraída em um pequeno vilarejo, Santa Rita de Ouro Preto, distrito de Ouro Preto, a
cerca de 20km. Os artesãos compram por tonelada. De duas a três, o que lhes garante matéria-
prima por cerca de um mês e rende um grande número de peças mas também uma perda
significativa, devido a extrema maciez do material, o que ocasiona muitas quebras. O uso do
torno (para a fabricação de alguns ítens, abaoloados) exige que o material seja manuseado
com proteção (uso de máscara e roupa adequada) devido às fagulhas e ao pó produzido no
processo, que podem estarem contaminados por anfibólios, um tipo de amianto, material
cancerígeno. As demais peças são produzidas à mão, no canivete. "A gente recebe a pedra
bruta, aí tem que cortar tipo um tubo, de vários tamanhos, para encaixar no torno. O
carregamento chega tudo misturado, pedra sabão dura e mole, e de varias cores. A gente torna
ela e começam a fazer as peças. Vai desbastando e produzindo."
Até pouco tempo, a pedra sabão vinha sendo extraída em quantidades extraordinárias com
destino à Europa, para a fabricação de lareiras, devido à excelente capacidade do material em
se conservar bem em altas temperaturas - o que estava gerando um imenso prejuízo ambiental
e colocando em risco sua presença. Graças à comunidade e ao apoio do poder público
municipal, foi feito um acordo para que a extração aconteça apenas para uso no artesanato
local.
Quem cria?
Fernando César Ferreira Guimarães e Júlio César Guimarães são autodidatas e se dedicam à
arte na pedra sabão desde a década de 80. “A gente aprendeu mais por necessidade, vendo as
pessoas vender e dando certo.” relata Fernando. "Fui olhando as pessoas fazendo, fui curioso,
fui errando, errando até aprender.” Julio completa.
Tudo começou na época em que Fernando trabalhava com bóias e Julio fazia curso de
mecânica no SENAI, uma formação que exige muita habilidade em desenho. Assistia na cidade
às pessoas desenhando na pedra sabão e passou a fazer tentativas. Deu certo e não parou
mais. Na época criou desenhos inspirados nas belas vistas panorâmicas de Ouro Preto, nos
casarios, montanhas, e aos poucos outras referências foram inspirando a criação das peças. O
irmão Fernando se interessou e seguiu o mesmo caminho. "Até a nossa caligrafia melhora. Ela
(a pedra) é macia e dura, tem que fazer com firmeza."
Juntos, inovaram a tradição local do artesanato em pedra sabão que antes era produzida em
uma única cor, com uso do verniz dando o acabamento, ou ao natural. Foi então que eles
lançaram dezenas de cores sobre os minuciosos desenhos que criavam, em uma explosão de
possibilidades cromáticas. "Começou a mobilizar a feira todinha."
Recebem hoje uma enorme demanda de pedidos de encomendas, que quase não conseguem
atender. Enviam peças para França, Alemanha, Bahia, Rio, Sao Paulo, e tantos outros lugares.
Ensinam com a mesma devoção que se entregam a criação, dividindo ensinamentos com
turistas de todo canto que chegam a cidade em busca da cultura local.
Onde cria?
Símbolo de Ouro Preto, a pedra sabão é o material que ajudou a esculpir a identidade e
memória da região. Em frente à igreja de São Francisco de Assis é onde a Associação de
Expositores do Largo do Coimbra (ADELC) se reúne, desde 1995, na conhecida Feirinha de
Pedra Sabão, para comercializar e expor suas obras. Conta hoje com mais de 50 bancas onde
artesãos atendem turistas de todos os lugares do mundo. Dizem que o espaço era um
“entreposto” para trocas e vendas de mercadorias e serviços desde 1824.
Julio e Fernando realizam venda on-line (sobretudo após a pandemia), participam de feiras
nacionais mas é na popular “feirinha" de Ouro Preto onde concentram 80% de suas vendas. De
lojistas a representantes comerciais e turistas, os públicos são diversificados, assim como a
oferta de peças que eles apresentam e renovam regularmente.
Rede nacional do artesanato
cultural brasileiro
