
‘Alagoas Feita à Mão’ e a política pública de valorização do artesanato regional
Terreno fértil para a cultura, Alagoas abriga mestres que fabulam universos em diversas linguagens, técnicas e expressões artísticas. É na força da coletividade ou do associativismo que esse fazer artesanal resiste em meio a muitos desafios, mas, quando políticas públicas valorizam o segmento e lançam um olhar atencioso para os artesãos, eles ganham autoestima, enquanto a cadeia produtiva ganha força econômica. Exemplo disso é o programa ‘Alagoas Feita à Mão’, iniciativa da Secretaria de Desenvolvimento Econômico e Turismo (Sedetur), vinculada ao Governo de Alagoas, que ajudou a arte popular alagoana a atravessar o continente até aportar nas galerias de arte de Miami e Nova York, nos Estados Unidos.
Criada em 2015, a iniciativa potencializa talentos das mais diversas regiões e tipologias do estado. A base do programa está estruturada em três eixos principais: promoção e preservação da identidade e das técnicas artesanais; fomento e divulgação para a comercialização dos produtos e realização de ações estruturantes que incluem a melhoria das condições de trabalho e o apoio à comercialização de peças.
A mestra Irineia Nunes, um dos ícones do artesanato alagoano, vive no povoado de Muquém, originado no Quilombo de Palmares. Fotos: Felipe Brasil / Livro Alagoas Memória das Mãos
Dessa forma, o programa acompanha o ciclo de produção, capacita e orienta o artesão, com o objetivo de promover a melhoria da qualidade de vida de milhares de famílias, que, graças à visibilidade de seus trabalhos, vivem da arte que produzem. Na prática, o profissional recebe visitas de censo e curadoria, participa de feiras e rodadas de negócios em todo o país, é incluído nas expedições de lojistas e pode participar, gratuitamente, da plataforma virtual que conecta diretamente o produtor a potenciais clientes.
De acordo com a gerente do ‘Alagoas Feita à Mão’, Daniela Vasconcelos, todo esse apoio é possível graças à emissão, pela Sedetur, da carteira do artesão nos 102 municípios alagoanos. Os dados surpreendem: atualmente, são cerca de 17 mil nomes cadastrados, distribuídos em nove regiões produtivas do Estado e divididos em sete tipologias: fios e tecidos, barro, madeira, fibras vegetais, ferro, couro e cascas e sementes.
“Entre outros benefícios, em Alagoas, a carteira de artesão garante ao profissional a isenção do ICMS na emissão da nota fiscal; a possibilidade de recolher o INSS com valor de profissional autônomo; o acesso aos editais públicos da cultura e artesanato para participação em eventos locais e nacionais e a inclusão em mapeamentos e materiais produzidos pelo programa”, destaca Daniela.
Valmir Lessa Lima é hoje um dos mais experientes artistas populares da Ilha do Ferro. O povoado pertencente a Pão de Açúcar ficou conhecido como um dos principais polos artísticos do país, graças à produção de móveis autorais e esculturas em madeira, além dos bordados Boa Noite. Foto: Felipe Brasil / Livro Alagoas Memória das Mãos
E quando o assunto é mapeamento, outro feito da mesma iniciativa merece destaque: a distribuição de 110 placas de identificação nas casas-ateliê, como forma de identificar polos de produção genuinamente local, com tipologias e técnicas que precisam ser preservadas ao longo de gerações. “É assim que ajudamos a elevar a autoestima do artesão e permitimos que eles se reconheçam dentro de um movimento palpável”, enfatiza a gerente.
Em Alagoas, design e artesanato hoje ‘andam entrelaçados’
O artista Jasson Gonçalves, de Belo Monte, que já teve suas cadeiras expostas em diversas mostras no Brasil e em eventos internacionais, como o Salão do Móvel de Milão, na Itália. Foto: Renner Boldrino / Divulgação Exposição "O Sol nasce pra Todos"
Desde sua criação, o ‘Alagoas Feita à Mão’ é vinculado à gerência de Design e Artesanato da Sedetur e foi por lá que emergiram diversas propostas em torno de ‘entrelaçar’ o design autoral com o artesanato cultural. Em 2017, o programa lançou uma coleção de presentes governamentais, que uniu o talento do designer local Rodrigo Ambrosio ao trabalho de grupos artesãos. As peças, criadas para presentear autoridades e personalidades de forma exclusiva, se tornaram objetos-desejo e fizeram enorme sucesso.
A ação inspirou novas colaborações entre os dois universos, o que levou à participação de Alagoas no Design Weekend SP - Edição 2019 com a exposição ‘Amostrada’, onde tronos e cadeiras encantaram o público especializado. Além disso, a instalação ‘Vento Nordeste/Alagoas’ dentro da BoomSPDesign, proporcionou aos visitantes uma experiência sensorial a partir da combinação das chamadas tipologias ‘moles’, a exemplo de Filé, Singeleza, Boa Noite, Redendê, Bilro, Labirinto, Ouricuri, Amor Caseado, Taboa e Talo de Coqueiro. O programa também apoiou a realização de mostras no próprio estado para promover a valorização dos talentos locais para o público alagoano, como foi o caso da exposição “O sol nasce para todos”, com curadoria de Renan Quevedo, que aconteceu em Maceió.
Exposição ‘Alagoas Handmade Collection’ na ‘Casa Brasil Nova York 2022’. Foto: APEX
Em 2020, houve uma participação virtual na Semana Criativa de Tiradentes com o emocionante documentário ‘Bom dia, boa tarde, boa noite’, registro audiovisual da rotina na Ilha do Ferro, o idílico povoado do semiárido com a maior concentração de artistas populares de Alagoas.
Os gestores do ‘Alagoas Feita à Mão’, porém, queriam mais. Ensejavam colocar a arte alagoana no radar de exposições internacionais. Foi quando surgiu a oportunidade de levar a mostra ‘Alagoas - The Brazilian Artisanal Soul’ para a Semana de Arte e Design de Miami, em uma galeria latinoamericana. Como resultado da grande repercussão, veio então o convite para exposição ‘Alagoas Handmade Collection’ na ‘Casa Brasil Nova York 2022’, que reuniu em maio deste ano obras dos mestres Aberaldo, Irineia, Sil de Capela, André da Marinheira e de outros artistas de renome.
Exposição ‘Alagoas Handmade Collection’ na ‘Casa Brasil Nova York 2022’. Foto: APEX
Tantas conquistas ao longo dos últimos anos alçaram o ‘Alagoas Feito à Mão’ ao status de referência nacional em política pública. Hoje, o programa é reconhecido pelos próprios artesãos e pela sociedade, porque não apenas valoriza a identidade cultural do estado, mas conecta a arte popular e o artesanato genuinamente alagoanos ao público do mundo inteiro. E, ao que tudo indica, isso é apenas o começo.