Projeto "Mestres dos Saberes" reconecta jovens com as tradições pernambucanas

Por Camila Fróis. Fotos: Pedro Raiz


Exposição traz obras de mestres junto a peças criadas pelos seus aprendizes durante oficinas, 

"Não existe invoação sem memória”. Segundo Afonso Oliveira, coordenador do projeto “Mestres dos Saberes” (Recife –PE), olhar para o nosso passado, a nossa história e a nossa memória é uma estratégia indispensável para quem quer se renovar e construir um olhar autêntico e inovador para o futuro. Com essa reflexão, ele abriu o seminário do projeto na última semana, na sede da da Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj), organização realizadora. O foco é promover os saberes de mestres artesãos junto a adolescentes de escolas públicas do estado, trazendo a tradição popular para o espaço da educação formal. A equipe da Artesol foi convidada a participar do evento de encerramento do projeto com o objetivo de conhecer de perto a iniciativa e alinhar possíveis parcerias com a Fundaj, cujo um dos objetivos é estimular pesquisas e projetos na área da memória e identidade cultural do Nordeste.
 


Oficina do mestre Lourenço Pereira, que trabalha com trançados de cana brava 

Na ocasião, mestres de diferentes partes do estado se reencontraram com estudantes da capital pernambucana durante ujma exposição aberta ao público na Fundação que revela obras dos artistas populares e seus alunos-aprendizes.  As peças foram criadas durante as oficinas que aconteceram durante três meses de execução do projeto, nas instalações do Museu Homem do Nordeste - gerido pela Fundaj.  Ao todo, vinte mestres e mestras ligados à cultura pernambucana compartilharam seus conhecimentos, suas histórias e suas técnicas com 400 estudantes.
 


Alunos e mestres visitam exposição com suas peças na sede da Fundaj

Nas oficinas práticas, eles podiam aprender processos de modelagem do barro, xilogravura, animação de cinema, escultura em madeira, entre outras técnicas. Para o coordenador e produtor cultural Afonso, inserir os mestres nos processos educacionais brasileiros é uma grande conquista do projeto.

Trata-se de uma forma de gerar valorização real para a arte popular local e tudo que ela carrega: memórias, espontaneidade e capacidade criativa. Um grande desafio com relação a essa produção artística é a questão geracional, já que - por falta de estímulo - a juventude, muitas vezes, se distancia das suas próprias raízes. Perde-se, assim, o link com esse patrimônio imaterial dos mestres que é o “saber fazer”, intuitivo, autoral e mergulhado na identidade cultural brasileira. 

A transmissão da tradição

"Trabalho com crianças há 25 anos", contava Agnaldo da Silva, o mestre Nado, de Olinda (PE), após sua apresentação com instrumentos percussivos moldados no barro por ele mesmo. “O desafio é se manter no que gosta de fazer, faz porque gosta, gosta porque faz”, recitou o mestre.
 


Mestre Nado e sua ocarina, uma flauta de argila

Oleiro desde criança, Nado já trabalhou fazendo filtros, moringas e jarros. Com o tempo, ele se especializou em “tirar som do barro”, criando instrumentos únicos como a “ocarina”, uma espécie de extravagante de flauta com referências africanas construída a partir de argila. Atualmente, a invenção do artista pode ser ouvida em concertos da Orquestra Sinfônica de São Paulo ou em shows de Alceu Valença, Milton Nascimento e Ney Matogrosso, célebres clientes do do mestre.

“Quando descobri, há 20 anos, que podia botar música na argila, passei a fazer esculturas que tocam e isso foi uma revolução no meu trabalho, conta o artista que hoje trabalha com toda família e tem orgulho em compartilhar suas invenções e seus saberes com crianças e adolescentes. “È assim: através do barro você ensina a arte, a cultura, a melodia”.

“Esse foi um dos passos para tornar o pojeto bem-sucedido. Selecionar mestres que possuem uma experiência na transmissão de saberes baseada na felicidade de ensinar e participar”. ressalta Afonso.

 


Mestre Zuza e a arte santeira

Outros mestres que participaram da exposição são Zuza (arte santeira), Lula Gonzaga (cinema de animação);  Mazé e Cosminha, de Vicência (fibra da bananeira); Josa de Olinda (arte em madeira); Lula Vassoueiro (máscara de Carnaval); Bacaro Borges, de Bezerros (Xilogravura); José Abias de Igarassu (escultura em madeira), Cida Lima e Neguinha (Bom Jardim), entre outros. 


A estudante Isabella Gomes, 14 anos, foi aprendiz do mestre Zuza, de Tracunhanhém, reconhecido por sua arte santeira com traços autorais que dá aos santos feições de moradores do sertão. “A experiência foi maravilhosa, porque eu nunca tinha trabalhado com o artesanato antes e me surpreendi com o que a gente pode fazer", contou a estudante.

Serviço

 A exposição Mestres dos Saberes segue aberta ao público na sede da Fundaj por dois meses.

Endereço: Av. Dezessete de Agosto, 2187 - Casa Forte - Recife-PE

Horário: 9h às 17h

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