Quando Chove na Caatinga: a nova coleção da Le Soleil com as bordadeiras do Piauí

A nova coleção criada em parceria com o grupo "Bordadeiras da Caatinga", de Dom Inocêncio, no Piauí, se inspira na enorme transformação da natureza que acontece depois de uma chuva no sertão. Além desta, a grife já desenvolveu trabalhos com outras artesãs da Rede Artesol, que revelam o enorme potencial do artesanato com linguagem de moda
Raquel Lara Rezende

 

 

Uma das peças da coleção Quando chove na Caatinga lançada no último mês pela Le soleil d’été com paisagem do sertão piauiense ao fundo. Foto: Divulgação

 

O Brasil tem muitos mares, muitos rios, muitos açudes e sertões e a marca de roupa Le soleil d’été tem mergulhado em algumas dessas paisagens. A cada imersão, descobre um novo universo que amplia seu potencial criativo e seu desejo de compartilhar, através das roupas, as inspirações, os sentimentos, e as histórias que descobrem em suas aventuras.

No último mês de abril, a grife lançou a coleção “Quando chove na Caatinga”, resultado das experiências da sua equipe no sertão do Piauí. Desenvolvidas em um processo de co-criação com o grupo Bordados da Caatinga, no município de Dom Inocêncio, as peças bordadas em linho rústico com a técnica “fio contado” narram, em cores e formas, a mágica que acontece no sertão quando a chuva chega.

O grupo Bordados da Caatinga nasceu em 1965 pela iniciativa da Fundação Ruralista e, através da professora Maria da Conceição Leal, especializou muitas artesãs, que já bordavam desde crianças e ensinou para tantas outras a técnica do ponto contado, ou ponto-cruz, como também é chamada. O trabalho do grupo é reconhecido em parte do Brasil e fora dele por sua qualidade, tendo sido considerado, em 1983, o melhor bordado do mundo em um congresso de artesanato da Unesco em Paris.

Grupo de artesãs Bordadeiras da Caatinga, de Dom Inocêncio, no sertão do Piauí que são especialistas no bordado ponto contado (ou ponto cruz).  Foto: divulgação

Quando Flora Belotti, diretora artística da Le Soleil, foi até a região para conhecer pessoalmente as artesãs, a princípio, tinha a ideia de propor uma coleção que trouxesse o universo das plantas medicinais e o conhecimento das tantas raizeiras e parteiras do lugar. No contato com as bordadeiras, porém, entre cafés da tarde e prosas nas cozinhas, a chuva foi se tornando presente, fazendo florescer o tema “quando chove na caatinga”. As roupas da marca Le Soleil ganharam as cores, as formas, oos encantos e toda a magia que acontece quando chove no sertão.

 

“Aqui não tem coisa melhor do que tendo chuva, mulher, tudo sossegado. Até o ar que a gente respira é outro! Cê sente o cheirinho das flores, andando pela caatinga, o caroá, a macambira”, conta a artesã Sonia Lopes. 

 

Peças da Coleção Quando chove na caatinga, criadas com a técnica de ponto contado em linho rústico. Foto: divulgação

Antes de descobrir a chuva no sertão e se deleitar com suas cores, a equipe da Le Soleil viajou pelas águas do Rio São Francisco, na cidade de Penedo, onde o Velho Chico se encontra com o mar, em Alagoas. Lá, Flora conheceu as mulheres bordadeiras da Associação Pontos e Contos, fundada em 2005. O grupo já havia desenvolvido coleções inspiradas na cultura local, entre elas uma dedicada às lendas do São Francisco. A partir dessa ideia, as artesãs co-criaram, em abril de 2019, a coleção Contos d’água, que trouxe para as roupas da Le Soleil as encantarias de personagens como o nêgo d’água, também conhecido em outras regiões como caboclo d’água, e a sereia. 

À esquerda, peça da Le Soleil criada com o grupo Pontos e Contos, À direita, artesã do grupo em frente a um prédio histórico de Penedo (AL). 

A presidente do Grupo de bordadeiras, Francisca Lima, conta que a experiência de criar junto à marca foi enriquecedora e repleta de trocas. Na época, Flora Beloti navegou literalmente junto às artesãs pelas águas do São Francisco atrás de histórias, cenas e perspectivas das próprias bordadeiras sobre esse trecho tão especial do Nordeste. As artesãs, por outro lado, se depararam com novos processos e possibilidades de criação. Francisca lembra que um importante aprendizado foi definir uma paleta de cores pra uma coleção específica, assim como refinar alguns traços dos desesnhos. “Foi um dos trabalhos mais bonitos que a gente já fez (...). De lá pra cá, nosso trabalho já mudou. Porque nós já aprendemos uma coisa de acabamento que a gente não sabia. Aprendemos um monte de coisa  com o modo delas trabalharem. Além disso, a visibilidade que deu para o nosso grupo foi muito importante, porque elas fizeram uma divulgação muito bonita”, conta Francisca. No ano seguinte, em 2020, a Pontos e Contos também colaborou com algumas peças da coleção “Dentro de mim é mar”.

O processo de Co-criar

Um processo de co-criação pode render muitos frutos para as partes envolvidas, quando a potência de cada uma encontra espaço nesse encontro para se desenvolver e se expandir.

“Para mim, co- criação é quando a gente consegue contribuir e a outra pessoa também. È quando o grupo com quem a gente está trabalhando também consegue trazer tanto modos de fazer novos que a gente não conhecia, quanto cores, desenhos, inspirações que a gente nunca pensaria em ter”, explica Flora Belotti.

A produção de bordados ponto cruz em Dom Inocêncio era  focada  tradicionalmente em peças de decoração para casa como toalhas de mesa e enxovais (PI). Fotos: divulgação

É nesse encontro com os grupos e suas realidades, suas paisagens, seus modos de vida, seus saberes que a marca Le Soleil d’ete, idealizada por Roberta Belotti e abraçada por suas filhas, Flora e Isabella, imprime um pouco das tantas riquezas do Brasil, presentes nos biomas, nas culturas, nos saberes tradicionais e nas histórias de sua gente.

“Foi muito bom, foi excelente mesmo. A gente aprende a andar com as próprias pernas e fazer aquilo que a gente sabe. (...) Eu fiquei com medo, porque a gente nunca bordou em roupa, entendeu? E eu vi que o negócio não é ter medo, é encarar, sabe?, conta Maria Sonia Lopes, do grupo Bordados da Caatinga. 

“Quando a gente começou a bordar as peças que a gente foi vendo que tava ficando mesmo bem bonito, até eu falei assim: ‘meu Deus, nem parece ser verdade que a gente tá bordando isso aqui, porque era cada coisa mais bonita que a outra. (...) E reconhecemos o nosso trabalho. Desde o início, quando ela abriu aquelas malas, parece que foram aquelas portas se abrindo para nós todas”,

 

Sobre o autor

Raquel Lara Rezende

Raquel Lara Rezende é colaboradora da Artesol. Formada em Comunicação Social, tem doutorado em Educação e transita entre as mais diversas possibilidades de expressão da cultura popular, seja como pesquisadora, artista ou jornalista.
Leia mais reportagens