Vaivém: o charme e a beleza das redes na decoração

Independente do ambiente em que são instaladas, as redes trazem uma atmosfera leve, brasileiríssima e descontraída. Já que nunca ficamos tanto em casa quanto neste momento, ter um refúgio para nossos corpos e ideias é um alento e tanto. Vem ver nessa matéria da colaboradora Lilian Caminha as maravilhosas dicas de como usar esse artefato com estilo e personalidade!
Lilian Caminha

 

 


Ilustração de Menesildo Yuska que fez parte do acervo da Exposição Vaivém do Centro Cultural Banco do Brasil em São Paulo sobre redes brasileiras. 
 

A rede de dormir (ou descanso) possui origem indígena e seus primeiros registros constam a partir do século XV, como na carta de Pero Vaz de Caminha. Com a chegada dos portugueses, as mulheres dos colonos adaptaram essa técnica e as redes começaram a ganhar as varandas dos casarões das fazendas. Mesmo presente nas casas grandes, elas se consagraram mesmo como símbolo onipresente da cultura e do modo de vida dos povos originários do país, transformando-se em um ícone de brasilidade e tropicalismo.

As relações entre as redes de dormir e a construção da identidade nacional guardam tantas histórias que já foram tema até de uma grande exposição do Centro Cultural Banco do Brasil. A exposição Vaievém resgatava a origem desse artefato indígena e seu modo de fazer artesanal a partir da tecelagem com fibras naturais de buriti, tucum e outras. Mais do que isso, a mostra revelou aspectos da rede na formação colonial do país, onde os escravos carregavam seus senhores de engenho. A rede também é retratada no ambiente contemporâneo como um convite à preguiça e ao ócio criativo e também como elemento regional, um símbolo de orgulho local em vários estados do Nordeste. 

Hoje, esse artefato  ganhou novos cenários e traz bossa para qualquer ambiente. E quem não gosta desse vaivém?  Embora sejam associadas às casas de praia, alpendres e dias frescos, as redes também ganharam status nos ambientes urbanos, compondo pequenos cantinhos-refúgios em casas e apartamentos.. Seja rodeadas de plantas, perto da janela pra quem quer pegar um pouco de sol ou mesmo no escritório para quem quer quebrar a seriedade da decoração, elas trazem mais do que nunca aconchego pra casa  nesses tempos de isolamento social. Quando ocupam espaços mais inusitados como quartos, salas e até áreas gourmets, acabam se tornando protagonistas do ambiente.

Saber Fazer

Existem diversas formas de produção das redes em tecelagem manual e é encantador conhecer todo o processo: cada etapa, cada detalhe e cada história que é tecida junto aos seus fios. Para conhecer esse ritual de cardar fiar, urdir e tecer as redes, podemos dar uma parada em Berilo, um município localizado no Vale do Jequitinhonha, na região nordeste de Minas Gerais e descobrir um pouco sobre o trabalho das mulheres da Associação de Produtores e Artesãs de Roça Grande.

Essa Associação foi fundada em 1983 e por lá já passaram muitas artesãs. Atualmente, 20 pessoas trabalham no coletivo focado na produção de redes, colchas, mantas, caminhos de mesa, jogos americanos entre outras peças de tecelagem manual. Selma Gomes Duarte Silva, 58 anos, é uma das artesãs da de Roça Grande. Ela faz artesanato desde os 11 anos de idade e contou um pouco do processo de confecção das redes lá na Associação. “Primeiro a gente descaroça o algodão, ou seja, tira a semente, bate e depois vai pra roda, pra fazer o fio”, conta Selma.

 

 

Fio cardado antes de ser urdido no tear. Foto: Theo Grahl

Com o fio preparado, é hora de urdir o pano, ou seja, dispor os fios longitudinalmente no tear para fazer a trama. Se a rede for colorida, o fio passa por um processo de tingimento natural. “O fio é tingido com casca de árvore de manga, tingui ou angico”, conta a artesã. As duas últimas cascas trazem aquele tom marrom que fica lindo nas redes e na composição de qualquer ambiente.

Feito isto, o fio é enrolado no tear e passado pelo liço, que são arames suspensos por onde os fios da urdidura são esticados. Depois é passado pelo pente, que tem a função de separar os fios de maneira uniforme. A partir daí, a rede começa a ser tramada.

 


Tear Manual utilizado para se tramar fios de algodão. Foto: Theo Grahl

 “A rede é bordada no próprio tear, no momento que fazemos o tecido, já é feito o bordado. Depois de pronta é retirada do tear e começa o processo do acabamento, onde os fios, que não têm nenhuma emenda, são torcidos para fazermos as alças. A franja também é colocada depois”, explica Selma. Ela conta que depois do fio pronto, ou seja, a partir do momento que se começa a tecer, uma rede leva aproximadamente 15 dias para ser finalizada. A tecelagem é uma das artes mais representativas da cultura do Vale do Jequitinhonha.

Lá em casa

Nesse momento tão delicado da pandemia do covid-19, percebemos que a maioria das pessoas nunca esteve tanto tempo dentro de casa. E como sua casa te acolheu e vem te acolhendo nesse período? O que podemos fazer para deixá-la mais aconchegante? Sabemos que os elementos naturais, as texturas e tons neutros trazem bastante aconchego para os espaços internos ou externos. 
 


Peças do Acervo Casa da Vila. Foto: Theo Grahl

Na hora de escolher a sua rede, deixe sua personalidade falar mais alto. Estampadas, coloridas, neutras, com franja, sem franja. Tem rede para todos os gostos e ambientes, dos mais descontraídos aos mais sofisticados. Cada uma delas traz uma história e muita autenticidade para a casa. Confesso que os tons terrosos são os meus preferidos para garantir uma decoração bem acolhedora como podemos conferir no no projeto assinado pelo escritório Natália Lemos Arquitetura.

No ambiente produzido pelas arquitetas Natália Lemos e Paula Pupo, para a Casa Cor Rio de Janeiro, de 2019, as profissionais fizeram uma homenagem ao artista Ney Matogrosso e trouxeram muita história para o ambiente. Com tons terrosos e uma decoração rústica chique, elas foram a fundo no significado de cada cômodo da casa, relacionando-os com uma passagem da vida de Ney.

“Na cozinha falamos de sua forte ligação com a natureza, do seu sítio, de espiritualidade, finitude e dos ciclos inerentes à vida”, contam as arquitetas. Todos os ambientes foram pensados com essa ligação ao seu lugar de refúgio e reconexão. Os espaços trouxeram, além dos tons terrosos, muita vegetação, tecelagem, materiais naturais e regionais que remetem a memórias afetivas de todos que tem malguma ligação com o interior do país. A rede utilizada no ambiente feita em fibra de tucum e foi produzida no Ceará.  

Espaço das arquitetas Natália Lemos e Paula Pupo, para edição de 2019, da Casa Cor Rio de Janeiro. A mistura de texturas, peças artesanais e tons terrosos deixa qualquer espaço aconchegante. Projeto e foto: Natália Lemos Arquitetura 

 

Nesse projeto, as arquitetas tinham o propósito de criar um ambiente sensorial com muitas texturas e bastante verde. Durante a mostra, as pessoas realmente se conectaram, se identificaram e puderam sentir essa atmosfera, o clima de aconchego e de familiaridade que elas propunham com a decoração.

 

Em áreas externas, já sabemos que as redes são bem convidativas, mas a arquiteta Gabriela Fernandes, que tem seu escritório em Timon (MA), ousou no uso da peça um espaço gourmet. “Aqui existem alguns pontos de artesanato local como o Mercado Central de Teresina, o Centro de Artesanato de Timon e o Polo Cerâmico do Poty, de onde trouxemos muitas das peças inseridas neste ambiente. Confesso que são minhas ‘lojas’ favoritas, meus lugares de encantamento e experimentação. Meu gosto por utilizar esses elementos regionalistas vem de duas influências: a primeira é minha mãe, que sempre me levava a estes locais quando eu era criança, e a segunda é o Marcelo Rosembaum, que é um pioneiro no que se refere à valorização do artesanato e da brasilidade. Os clientes desse projeto abraçaram bem a nossa ideia, o nosso conceito regionalista, rústico e praiano e nos deram bastante liberdade de criação, o que foi ótimo”, conta a arquiteta.

 

 

 

À esquerda, espaço gourmet de uma residência projeto pelo escritório Gabriela Fernandes Arquiteura. À direita, rede da Associação Santa Luiza, da Paraíba. Foto: Theo Grahl

Outro arquiteto que aposta nas redes para criar um clima acolhedor é o apresentador Renato Mendonça, do programa "24 Horas Pra Redecorar", da Discovery Home and Health. Para a composição de um dos ambientes assinados por ele, a sala foi totalmente reformada buscando referências naturais e atmosfera brasileira para as duas moradoras da casa, uma gaúcha e uma francesa, que é apaixonada pelo Brasil. O ambiente foi composto com muitas peças feitas à mão, como um tapete de sisal, a rede de algodão, objetos de cestaria e plantas.

“Usar materiais naturais na decoração deixa o ambiente mais quente e pode imprimir muita personalidade. Ao mesmo tempo, cria um espaço mais descontraído, menos formal e bastante jovem”, conta Renato.

 

 

   

 

Tons quentes e muitas texturas. Projeto: Renato Mendonça Foto: Raul Fonseca

No dormitório, com uma iluminação bem pensada a rede também confere charme e descontração ao ambiente. Projeto: Vera Lucia Bezerra Arquitetura. Foto: Alberto Medeiros

 

 

Rede no quarto de dormir. Projeto: Grão Arquitetura

Em Natal (RN), o Shui Brasil, um day use que fica em meio a um bananal regado a águas termais, usa do charme das redes em meio a jardins tropicais e cursos de água que convidam a quem quer curtir sombra e água fresca.  Dentro da propriedade está a nascente do Rio Catolé, que leva suas águas até o Rio Punaú, e ,ao redor delas, estão muitas redes produzidas por artesãs locais.

  Foto: Shui Brasil

Dona Edna Galvão, proprietária do Shui Brasil, nasceu em Goiás, mas se apaixonou pelo Nordeste e, além desse espaço criou a Fundação Vida a Pititinga, um projeto que promove atividades para a comunidade, acolhe e apoia artesãs locais.

É muito interessante perceber como uma artefato tão importante da cultura brasileira que trazem aconchego para tantos espaços, dos mais sofisticados aos mais simples e acolhedores , teve ao longo da nossa história diferentes tipos de usos e funções. E que ainda é tão atual na decoração de interiores. È bom saber que balança tanta história no seu modo de fazer, nos materiais que são empregados e na tradição da tecelagem manual, fonte de renda para muitas famílias no interior do país.

 

Serviço:

As redes da Associação de Produtores e Artesãs de Roça Grande, por exemplo, você encontra na loja Artiz, a loja social da Artesol. 

 

 

 
 
Sobre o autor

Lilian Caminha

Lilian Caminha é jornalista, designer de interiores, arquiteta em formação e apaixonada por transformar os espaços e a vida de quem os ocupa.
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