
Ilha do Ferro - Alagoas
O Território
Foto: Tom Alves
A Ilha do Ferro está localizada a 235 km da capital Maceió, na região do sertão alagoano e faz parte do município de Pão de Açúcar. Banhada pelas águas do Rio São Francisco, o fazer artesanal do território passa pela pesca e a feitura de redes, pelo entalhe em madeira e pelo bordado Boa noite.
A comunidade ribeirinha da Ilha do Ferro possui cerca de 450 habitantes e aproximadamente 300 pessoas estão envolvidas com arte, cultura e gastronomia, o que inclui a pesca artesanal. No distrito, com suas fachadas coloridas de estilo colonial, é comum observar pessoas tecendo redes de pesca, bordando na frente de casa ou trabalhando com madeiras mortas ou restos de barcos não navegáveis.
O Velho Chico, carregado de histórias e encantamentos, permeia o imaginário do povo e inspira a criação dos artesãos da região. Seu Vavan, artesão da madeira, conta em entrevista para documentário:
"Antigamente o povo dizia que o Rio aqui tinha umas mães d'água, espia! Sereia, Nego D'água…Isso aí tinha muito nesse Rio… É famoso nisso aí".
O clima árido do sertão alagoano se umedece com o Rio e faz da região um lugar de contrastes e encontros entre o céu e o azul das águas do São Francisco.
"Para começo de história, o povoado não é propriamente uma ilha, dá para chegar tanto pela água quanto pela terra, mas o lugar é tão isolado, pacato e pequeno que parece mesmo uma ilha. Ah, vale iniciar essa história antecipando ainda que a Ilha do Ferro é povoada por contos do Sertão, história de Cangaço, seres fantásticos, fragmentos arqueológicos e por muita arte que ressoa em todos os cantos do lugarejo. O imaginário coletivo da Ilha é fértil e complexo e essa complexidade se expressa em sua arte. ". (Luísa Estanislau para BRASIS)
Como nasce um polo criativo?
Foto: Tom Alves
Entre tantas histórias, contos e seres do imaginário ribeirinho, torna-se mais fácil criar. São muitas as inspirações e influências no território, mas sem dúvida o fator principal é o contemplativo.
Na madeira ou no bordado, a vontade de criar vem da observância do entorno. O bordado Boa Noite recebe o nome de uma flor abundante no povoado e típica da região árida. Sabe-se que o bordado vem da época da colonização portuguesa, mas algumas artesãs contam que a técnica, que se assemelha com o labirinto, foi ensinada por uma mulher de Mata da Onça, distrito próximo, sendo adaptada e ganhando identidade própria. Quem inovou foi uma senhora chamada Dona Ernestina, agricultora que bordou a flor Boa Noite no tecido, marcando e dando nome ao bordado da Ilha do Ferro. A tradição de desfiar e bordar tecidos vem a mais de um século formando a paisagem do povoado, com mulheres que bordam na frente de casa, flores e barcos como um jeito de narrar o próprio território. Muitas vezes na luz do candeeiro, como recitado no documentário "O artesanato na Ilha do Ferro":
"À noite
O dia sobre a mesa
Tarde luz de um lampião
Sob um sopro de descanso
Um pano de Boa Noite.
Boa noite".
Já a tradição do entalhe em madeira, segundo relatos, vem do próprio território, do contato com o rio e com as matas. O pescador que faz o próprio barco e ensina aos filhos, o filho que faz um barquinho para brincar no rio e assim entra em contato com os instrumentos necessários para se criar com as inúmeras possibilidades do imaginário.
Marcelo, pescador da Ilha do Ferro, comenta que o pai era Mestre em fazer barcos e foi com ele que aprendeu. Petrônio e Neto comentam que aprenderam o ofício com Seu Fernando, considerado Mestre na região, que segundo o seu neto, começou a usar galhos e madeiras mortas para criar bancos, bichos e figuras fantásticas do próprio imaginário. Já Yang, filho de Petrônio, faz parte da segunda geração da família trabalhando com madeira, cresceu vendo o pai entalhar galhos e madeiras e decidiu seguir o caminho da criação e da arte. Responsável pela criação dos bailarinos, comenta que o tempo fez com que ele criasse uma identidade própria dentro da arte.
São muitas as histórias e as identidades dentro do artesanato em madeira, mas sem dúvida a grande fonte de inspiração é o bioma local, com sua fauna, flora e águas.
"Eu sou a Ilha do Ferro, a ilha da imaginação, eu sou as raízes da vida, pássaros, rios e sertão".
(Narração do documentário O artesanato na Ilha do Ferro)
Como se mantém um processo criativo?
"Eu desde pequeno observava meu pai trabalhar. Ele também fazia. Eu fui me aperfeiçoando e ele foi me ensinando os traços, o corte da faca na madeira, aí fui aprendendo".
Assim Faguinho, ou Fagner do Passarinho, descreve o processo de perpetuação e aprendizado com o pai. Relato que se repete inúmeras vezes, o aprendizado acontece dentro da própria casa ou através de um vizinho ou amigo, mas é passado adiante para quem queira aprender.
No contar dessas histórias, constantemente se ouve falar sobre Mestre Fernando Rodrigues dos Santos, quem ensinou dezenas de artesãos do território e foi declarado Patrimônio Vivo em 2007 pelo estado de Alagoas. Mestre Fernando era agricultor, filho de sapateiro e iniciou suas primeiras experimentações ainda novo na oficina do pai. Aos 40 anos fez sua primeira grande peça, uma espreguiçadeira, e aos 70 anos alcançou inúmeros espaços de arte e design nacionais e internacionais, levando o nome e a tradição da Ilha do Ferro para lugares nunca antes imaginados.
Por seu reconhecimento e importância para o povoado, em 2017, professores da UFAL e o Governo do Estado de Alagoas inauguraram o Espaço de Memória Artesão Fernando Rodrigues dos Santos, que reúne peças de todos os artistas da comunidade e arredores, não apenas da madeira, mas também do Bordado Boa Noite.
No bordado, a Cooperativa Art Ilha tem papel fundamental no compartilhamento de saberes e teve em sua fundação, no ano de 1998, o apoio da ARTESOL com capacitações e aulas de bordado Boa Noite para todas as mulheres interessadas em aprender a técnica e participar da Art Ilha.
"O Boa-Noite, antes de ser uma das principais atividades econômicas na Ilha do Ferro, juntamente com o artesanato em madeira e a pesca, é um fazer que estabelece laços afetivos entre mulheres do povoado. As meninas crescem vendo suas mães, tias, primas e avós bordando e só no observar incorporam essa cultura do bordado. As primeiras aventuras com linhas, agulhas e tecidos acontecem por volta dos 8 anos, onde as meninas geralmente começam ajudando nas etapas mais fáceis. Ao que parece, a continuidade dessa tradição é estabelecida no próprio vínculo que as meninas geralmente têm com as mulheres da família, a própria companhia que fazem umas às outras propicia a transmissão do saber entre gerações e assim o Boa-Noite segue se espalhando pela ilha".
(Luísa Estanislau para BRASIS)








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