A beleza real das mulheres indígenas brasileiras

Com um olhar sensível e interesse aguçado pelo tema da beleza real, a fotógrafa Maria Ribeira assina esse ensaio fotográfico realizado com as mulheres indígenas que participaram de uma das edições do evento Aldeia Multiétnica, na Na Chapada dos Veadeiros, em Goiás. Na ocasião, ela retratou a impressionante estética indígena e a liberdade que essas mulheres têm de se expressar com naturalidade e verdade. As fotografias renderam o prémio Yvone Herberts pela ONU Mulheres para a autora.
Maria Ribeiro

Muitas vezes, senão a maioria delas, a vida nos leva onde devemos estar. Sem muitos planejares, quando nos damos conta encontramo-nos ali, quiçá sem saber exatamente como aquilo se deu. Pois bem: assim foi que me vi na Aldeia Multiétnica na Chapada dos Veadeiros, em Goiás.

A Aldeia Multiétnica trata-se de um evento onde várias etnias se reúnem para o  fortalecimento das culturas e lutas políticas dos povos indígenas e remanescentes quilombolas, com princípios de preservação, promoção e acesso ao patrimônio material e imaterial brasileiros.

O meu interesse era, especificamente, as mulheres indígenas, já que vinha de uma extensa imersão nas práticas e viveres de mestras quilombolas no sertão de Minas Gerais. É bonito de ver como a sabedoria tradicional perpassa etnias e territórios, encontrando berço nas comunidades que vivem em comunhão mais direta com a natureza. Elas, as mulheres, são raizeiras, tecelãs, benzedeiras, artistas, pintoras, artesãs... são mães, curandeiras, cozinheiras, cantadoras e tantos saberes outros que trespassam suas vivências.

As indígenas Krahô me explicaram como extraem a tintura do jenipapo, que estavam a passar umas nas outras. Esclareceram ainda que as pinturas distintas ocorrem em diferentes ocasiões: festas, rituais, celebrações, guerra. Cada acontecimento exigia símbolos e traços específicos: aquele dia era pra apresentação que fariam no fim da tarde.

Durante o dia, as maiores ocupações femininas eram a cozinha e o artesanato. As mulheres se alternavam entre tramar cestas de palha, pinturas, confecção de cocares, brincos, bolsas e colares. Todas elas, inclusive, usavam muitos acessórios cheios de cores, penas, sementes e a indefectível pintura com tinta de jenipapo.

 

No penúltimo dia houve uma roda de saberes femininos com a etnia Guarani. Mulheres contando de como sempre usaram as ervas para cuidar da saúde e dos ciclos femininos: ervas contraceptivas e abortivas, ervas para cólica, hemorragia, parto e cicatrização. Fui convidada para participar de um ritual noturno e fiquei na expectativa do que iria acontecer.

A noite veio chegando e alimentos foram enterrados pra cozinhar embaixo do chão. Acima dele, uma fogueira começa a ser montada, mas só foi acesa bem a tardar, quase meia-noite. Os cantos começam, cantos cantados e repetidos como um mantra, tantas e tantas vezes que quase entramos em transe. A madrugada entra e sai, os cantos, tal qual prece, não cessam nem por um minuto. Comecei a pensar nos mantras tibetanos e rituais indianos: de onde será que essas semelhanças vieram? Parece que as sabedorias ancestrais sempre se encontram em algum lugar...

O dia raiou, mas antes de desenterrar os alimentos uma surpresa: as mulheres pegavam laranjas e jogavam nos homens. As mulheres nos explicaram que isso era uma prática que se referia a um dia onde, tradicionalmente, os homens saíam de casa e podiam ter relações sexuais com outras mulheres, e as mulheres podiam receber outros homens em suas camas. Porém, ao nascer no dia, os homens eram expulsos com laranjas para que cada um voltasse para sua respectiva família. Cada comunidade com seus costumes, não é mesmo?

O mais interessante de toda a imersão  foi conhecer um pouco mais de perto a profusão da diversidade que envolve a estética e a  liberdade das etnias brasileiras. Elas mesclam uma variedade de traços, adereços, pinturas e formas de se expressar com naturalidade e verdade.

Sobre o autor

Maria Ribeiro

Maria Ribeiro, ativista e fotógrafa, autora do livro “Nós, Madalenas”. Recebeu prêmio Yvone Herberts pela UN Women.
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