A gênese do objeto brasileiro

Inspirados pelas relações entre matéria e forma no artesanato tradicional, Vanessa Gomes e Theo Grahl apresentam um ensaio fotográfico que instiga o olhar para a alma dos objetos brasileiros e sua conexão com a natureza de onde vieram. "Da origem ao objeto, da terra ao artefato, de um lugar a outro- a trajetória do artesanato brasileiro em sua jornada de transformação".
Texto e Direção de Arte: Vanessa Gomes

 

Fotos: Theo Grahl/ Mombak   / * Objetos de cena: Acervo Casa da Vila

Um país em estado bruto de onde brotam da terra, frutos da nossa natureza criativa. Cerrado, Caatinga, Amazonia, Mata Atlântica, Pampas, Pantanal - os seis biomas que nos desenham, nos delimitam. E nos expandem. Em uma revelação de cores, texturas e matérias-primas plurais, abundantes e miscigenadas tão e qual o povo que os preenche - também fruto - da mestiçagem de diferentes matizes: indígena, africana, europeia. Que insinuam a potência da capacidade criativa brasileira.

Um país feito do encontro. Do rio com o mar, da mata com o sertão, do índio com o branco. Vasto, potente e singular. Um território multifacetado em busca de acomodar sua diversidade de homens, mulheres, paisagens, vegetações, elementos, técnicas, saberes, modos de fazer e de criar. Como imaginar que surgiria daqui uma arte acanhada? Jamais.

Sofisticados processos de trabalho herdados por transmissão oral conduzem as mãos pacientes e os espíritos inquietos dos nossos mestres, artesãos e artistas populares, na direção do inédito. Para onde a natureza os inspire e sustente seus objetos sagrados.

Pó de caroço de açaí. Banquinho miniatura da Ilha do Ferro (AL)

A biodiversidade transformada é denunciada pela origem, pelo material primitivo: o barro, a madeira, as fibras, os pigmentos. Por meio deles, o design brasileiro se manifesta, entranhado de diversidade, de textura, de paletas cromáticas emprestadas da matéria-prima que o objeto artesanal celebra em sua intima relação com o bioma.

São muitos os caminhos do artesanato brasileiro para fundir seu valor cultural, artístico e estético. Nessa travessia, o artesão põe em prática habilidades legadas há gerações, práticas presentes em nossa cultura material de tempos imemoriais, com inegável sofisticação simbólica e estética. Antigas linguagens, grafismos milenares. Tudo o que reúne tempo e significado. Que traduz o que temos de cotidiano e mais espontâneo. 

Almofada redonda trançada à mão em palha de palmeira Indaiá (Associação Cultural Indaiá). Ouriço de castanha do pará (semi-polido) usado para a produção de esferas decorativas e porta-objetos. 

Nesse ensaio ousamos propor o exercício de olhar o Brasil que a gente não vê, exercitar a construção de um repertório de brasilidade que nos aproprie de nossa própria identidade em um movimento de autoconhecimento e re-descoberta. Que nos reposicione e nos requalifique para nós mesmos até nos darmos conta de que buscamos tanto, para, enfim nos re-encontrar em nossa própria casa.

 

Caroço seco de açaí em almofada de palmeira Indaiá 

 


Almofadas redondas trançadas à mão com a fibra da palmeira Indaiá. Banco de madeira três pés da  Associação de Artesãos de Santa Brígida (BA) e cerâmica artesanal

 

Banco e pássaro esculpido em madeira umburana pelos artesãos da Associação dos Artesãos de Santa Brígida (BA). Sobre o banco, casca de murumuru. 

 

Detalhe de pó de murumuru usado como pigmento natural. À direita, Banco Waurá e cerâmica da etnia Tukano (AM). 

 

Escultura do artesão Ednaldo José da Silva de Caruau- PE

Sobre o autor

Texto e Direção de Arte: Vanessa Gomes

Com formação em comunicação, design de interiores e especialização em branding, atuou como diretora de arte e idealizou a Casa da Vila, um projeto que buscou resignificar os espaços de comercialização da arte popular e do artesanato brasileiro ao longo de 13 anos. Atualmente se dedica a pesquisa, conteúdo, curadoria e interlocução junto a artesãos, artistas populares e comunidades nos diversos territórios brasileiros.
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