Viagens Têxteis: um mergulho azul no Cariri Paraibano

As viagens têxteis são expedições idealizadas pela Urdume e Ómana que revelam aos viajantes o que há de mais valioso nas paisagens e expressões culturais que permeiam o universo de bordadeiras, tecelãs, rendeiras e outras artesãs do Brasil dedicadas à produção têxtil.
Helena Kussik

 

Além de ser utilizado no tingimento natural do algodão e outras fibras, o indigo é reconhecido por suas propriedades medicinais e espirituais. Foto: Nathalia Abdalla

Ómana e Urdume se reuniram para as Viagens Têxteis, nossa proposta de caminho para o (re)conhecimento dos têxteis brasileiros e suas mestras. Isso porque entendemos que uma técnica tradicional está intimamente conectada a seus contextos: social, cultural, econômico e ambiental e é através do afeto que nos atravessa que aprendemos melhor. Assim, pegamos a estrada com destino ao Cariri Paraibano para vivenciarmos o processo de tingimento natural com índigo da caatinga e a renda renascença, patrimônio do estado. 

A região do Cariri é notória por sua profusão artística e cultural, com muitas mestras e mestres reconhecidos nacional e internacionalmente, como Zabé da Loca, mestra de pífano falecida em 2017, que deixou como herança sua imensa inventividade e talento. 

 

O Cariri paraibano constitui um grande platô elevado que se assenta sobre a Serra da Borborema e abriga lindas formações rochosas em meio à caatinga. Foto: Nathalia Abdalla

Josivania Caiano, produtora cultural que acompanhou Zabé, sua madrinha, em sua trajetória artística pelo mundo, é quem fundou e coordena o Espaço Cultural Zabé da Loca e foi quem nos recebeu com tanta generosidade e carinho. 

Josi e sua família tocam o espaço que recebe turistas interessados em conhecer mais da cultura local, no modelo de turismo de base comunitária. 

 


Tingimento de fibras com indigo.  Foto: Nathalia Abdalla

 O Espaço Cultural Zabé da Loca está no Assentamento Santa Catarina, um dos maiores do estado, pertencente ao município de Monteiro. Os grandes lajedos e a caatinga são responsáveis pelo cenário apaixonante, com o céu mais azul que, em seus silêncios, nos conta de um tempo antigo, história gravada nas imensas pedras e nos finos grãos da areia que cobrem o chão.

 O calor do meio-dia é logo arrefecido quando o sol começa a baixar, por volta das três da tarde, quando uma leve brisa nos embala e nos prepara para a noite estrelada. É nesse ambiente, de tantas inspirações, que ouvimos e compartilhamos histórias e conhecimento entre o grupo de experientes profissionais da área de pesquisa, educação e criação. 

 Índigo da caatinga
 

O tingimento Indigo existe há vários milhares de anos. Fazer corante vegetal índigo requer um processo de fermentação que causa uma mudança de cor mágica. Foto: Nathalia Abdalla

O matinho verde que cresce espontaneamente no terreno guarda em suas folhas o segredo do azul. A anileira é abundante no Assentamento Santa Catarina e é uma das plantas que Josivania Caiano usa em seu trabalho de tingimento natural. Uma das cores mais desejadas, o índigo é reconhecido por muitos povos ao redor do mundo por suas propriedades medicinais e espirituais. Isso está relacionado ao próprio processo de extração do pigmento, que se dá através da fermentação das folhas. Por isso, é a extração que guarda mais vida e, como tudo que é vivo, é carregada de mistério.  Na nossa imersão, aprendemos o horário da colheita, o tempo da planta, do sol, da água e sobre o ar necessário para transformar o verde em azul.

 Renda Renascença

A Renda renascença é reconhecida como patrimônio cultural imaterial da Paraíba. Foto: Nathalia Abdalla

 A região do Cariri também concentra hoje a maior produção de Renda Renascença do Brasil, dividida entre os cinco principais núcleos: São João do Tigre, Camalaú, Zabelê, São Sebastião do Umbuzeiro e Monteiro, onde está localizado o CRENÇA - Centro de Referência da renda. Além de Patrimônio Cultural Imaterial do estado da Paraíba, a região tem Indicação Geográfica para a produção, destacando sua qualidade.

 Na nossa primeira Viagem Têxtil aprendemos com a mestra Antônia Maria da Silva a estrutura dos riscos, alinhavo e os pontos básicos da renda. Dois amarrados, crivo, pauzinho e aranha tecida foram alguns dos pontos passados, pois através dessas estruturas básicas torna-se possível entender a lógica e aprender os mais de 60 pontos existentes e até criar novos, por que não?!

 

Durante imersão, viajantes participaram de todas as etapas do processo artesanal, desde a coleta do algodão.  Foto: Nathalia Abdalla

Difícil falar da experiência sem transbordar nas palavras e na emoção que foi esse encontro, potencializado por um grupo de mulheres admiráveis. Saímos do encontro com a certeza de que o azul mais profundo e o enlace dos pontos da renda atravessaram qualquer perspectiva ou expectativa, transformando a todas profundamente.

 
Sobre o autor

Helena Kussik

Helena Kussik Helena Kussik é mestre em Antropologia e atua como designer e pesquisadora. Atualmente se dedica a projetos de mapeamento de comunidades artesãs e articulação entre setores e agentes integrados na cadeia do artesanato nacional.
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