
Magali Lopes

AS MÃOS QUE CRIAM, CRIAM O QUE?
Objetos trançados a mão em palha de milho. É esse o universo popular de domínio da mestra artesã Magali Lopes. Das memórias e aprendizados curiosos da infância, ela elaborou seu repertório criativo e ofício. Reconhece na simplicidade do material o legado criativo e imenso valor cultural: que remete aos meses de junho e julho, ao tempo das quadrilhas, tradições cada dia mais ausentes no ambiente urbano. “Tem gente que nunca viu e está vendo agora. A cultura no Brasil foi esquecida. As pessoas não conhecem, acham a palha linda, as vezes tem gente que tem até medo de mexer, acha que vai quebrar.” Magali coleta a palha de milho nas feiras livres: “As duas que tem perto de casa”. Depois beneficia tudo - faz a limpeza, a tingidura, aguarda pela secagem. Todo o processo de tingimento é natural, com o uso de orégano, urucum, e outros ingredientes. Não gosta de usar tingimento a base de álcool, à menos que seja muito urgente e necessário. Reúne tudo em uma panela d,água, coloca a palha e aguarda tingir. Acrescenta vinagre e o sal. “Antigamente a minha tia era lavadeira, e tinha roupa que era pra tingir. Eu via ela colocar urucum dentro da bacia e a roupa saía rosa. Daí a gente ía testando.” Ainda criança, lembra-se de ter uns 10 no tempo em que fazia tais experimentos. Após secagem, Magali parte para executar o trançado. “A pessoa olha aquele monte de palha e não dá valor. O valor do artesão vai ser agregado na peça.Um lixo que vira luxo”.
QUEM CRIA?
Magali Lopes começou a investigar o universo do artesanato quando ainda era criança, como acontece com a maioria dos mestres e artesãos, movidos pela curiosidade. Autodidata, foi a única a trabalhar com a palha de milho na família - com excessão do irmão mais velho que acabou falecendo. “A gente não tinha brinquedos. A mãe da gente ía à feira e comprava espiga de milho. Daí saíam as bonecas e tudo o mais que a gente queria brincar.” Na escola tinham aulas de economia doméstica. Eram os anos de 1965, no Externato Sao Vicente de Paula, tempo em que as freiras ensinavam uma variada gama de habilidades manuais. Quando crescem, as crianças deixam de praticar muitas delas, mas o conhecimento se mantém. Já adulta, Magali cursou biomedicina na Universidade de Jaú e distante de casa na época precisou se sustentar. O resgate do trabalho com a palha de milho foi a oportunidade e a fonte de renda durante todo esse período, o que garantiu seu sustento por aqueles anos. Não seguiu carreira e retornou a São Paulo em 1983 permanecendo até 1991 na área da saúde. Mas de 1885 a 1991 ela já havia voltado a trabalhar com a palha de milho. Fazia bonecas, para expor e comercializar aos domingos na Praça da República. Em 2019 concluiu sua segunda formação acadêmica, em pedagogia, mas nunca abandonou a arte que desvendou na infância. As décadas de oficio deram a Magali, além de domínio no fazer, um sentido de colaboração e compartilhamento. Realizou inúmeras oficinas pelo Sesc nas unidades de Campinas, Osasco, São Carlos, Bertioga, Santos, São José e através de prefeituras, em Jaboticabal, Brasília, Goiás e outros destinos. Frequentemente para pessoas em comunidades, geralmente adultos, predominantemente mulheres. Mas também dissemina seu saber na área da saúde mental e para crianças a partir dos sete anos, pessoas excluídas e os mais diversificados públicos. Já fez muitos cursos, participa de diversos eventos, intercâmbios, possui muitos clientes - tanto lojistas quanto público final. Conta com vários parceiros. Envia peças para serem expostas em museus de arte sacra, outras em Londres. Já exportou muito para a Europa para países como Alemanha, França (Paris) e Suíça. “Você se arrisca. Tem que se arriscar.“
ONDE CRIA?
Nascida na maior metrópole da América Latina - São Paulo - e do auge das décadas que acumula de um legado ancestral, Magali deseja que o Brasil abrace o talento e o patrimônio que possui das fibras naturais e dos fazeres artesanais. “ Está na nossa cultura mas eles chamam de cultura popular. Só os quilombos devem fazer? Não, vamos mostrar que o urbano também deve fazer. Vamos sair do rural e ir para o urbano. Já teve criança que perguntou o que era aquilo, pedindo pra eu mostrar uma espiga de milho seca porque ela não sabia o que era”. Aos 52 anos Magali declara o que deseja do futuro: “De uma pessoa na minha idade, é passar os conhecimento para essa técnica não desaparecer nunca. É uma técnica que mostra tudo aquilo que nós somos, é a nossa raiz, principalmente aqui no Brasil, que a gente é afro. Eu acho que todo mundo deveria aprender a fazer coisas com fibras. Está desaparecendo."
Rede nacional do artesanato
cultural brasileiro
