Fundadora da Artesol, Ruth Cardoso se consagrou como uma das mais importantes antropólogas do país (preferia ser tratada como acadêmica do que como primeira-dama). Morreu em 2008, aos 77 anos deixando um enorme legado intelectual e social para o país e para as instituições idealizadas por ela ou inspiradas em seu trabalho.
Além de sua atuação como professora na USP, dedicou boa parte da sua vida às questões socioculturais, como a inclusão social de comunidades de baixa renda, os temas étnico-raciais e de gênero e a salvaguarda da cultura tradicional. Focadas nessas témáticas, trabalhou e dialogou com empresários, empreendedores, ativistas sociais, políticos, artistas e jovens. Seus principais lemas foram: “Combater a pobreza não é transformar pessoas e comunidades em beneficiários passivos de programas sociais. Toda pessoa tem habilidades e dons. Toda comunidade tem recursos e ativos. Combater a pobreza é fortalecer capacidades e potencializar recursos.”
Durante o período do governo de seu esposo Fernando Henrique Cardoso, esteve à frente do programa Comunidade Solidária e presidiu o seu Conselho (1995-2002). A iniciativa tinha a missão de estimular o diálogo entre estado e sociedade. Para isso, a antropóloga mobilizou parcerias entre organizações não governamentais, universidades, empresas e governos para a construção e a difusão de programas sociais inovadores.
Foi nesse contexto que surgiu o Programa Artesanato Solidário (hoje Artesol), dentro das ações de emergência que constituiam o programa Federal de Combate aos Efeitos da Seca. As ações desenvolvidas pelo programa do artesanato visavam a promoção da cidadania e do desenvolvimento local, por meio da capacitação de pessoas e da mobilização das comunidades de artesãos a partir dos seus saberes tradicionais.
O Conselho da Comunidade Solidária encerrou suas atividades em 2002 como participante do Governo Fernando Henrique Cardoso. Sua herança, porém, permanece nas atividades não só da Artesol, mas também da Alfabetização Solidária e da Comunitas, e toda a memória de sua obra pode ser conferida no Centro Ruth Cardoso.
Ruth Cardoso por ela mesma
Para Ruth Cardoso, a inclusão social das comunidades tradicionais só é possível por meio da afirmação das identidades regionais locais, da arte, das formas de comunicação e das manifestações estéticas que atravessam fronteiras e períodos históricos. Conheça um pouco mais sobre a visão da antropóloga sobre o Programa do Artesanato Solidário por meio de suas declarações:
“Todo artesão tem um saber e quer ser reconhecido. (…) De modo que quando a gente chega e acha bonito alguma coisa que eles fazem, só achar bonito já e uma consideração enorme com eles. É reconhecer aquilo que pra eles é importante.”
“O primeiro momento é simplesmente uma ampliação de consumo que é muito significativa porque ela mostra pra gente que essas pessoas querem estar integradas ao universo do consumo. Não porque elas querem o último carro, é porque elas querem o mínimo de um padrão de vida, de uma qualidade de vida.”
“Nós estamos querendo trazer esse saber tradicional para o mercado para gerar renda e para gerar legitimidade para todos esses aspectos culturais também.”
“A arte popular não tem história, ela é, ela é. Ela existe, é parte da vida cotidiana. Quando se faz cerâmica, se faz cerâmica utilitária, quando se faz boneca de pano, é porque não tem outra boneca e é aquela que é possível dar para as crianças brincarem.”
“O que queremos fazer é mostrar que o passado está vivo, que esse saber, essa arte existem, podem se expressar e fazer parte do mercado, não têm que estar excluídos. A gente nunca deve ver a arte popular como alguma coisa alternativa; ela tem que fazer parte e estar integrada ao mercado.”
“Essa junção entre a arte dos designers e a utilização dos recursos da arte popular mostra que o Brasil hoje é assim. Nós não somos mais aquela imagem de uma área pobre e segregada, nem queremos ser. Nós queremos olhar pra frente. E olhar pra frente é criar essa integração.