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25 anos Artesol: uma história de transformação de futuros, pessoas e territórios criativos do Brasil

22 de maio de 2024 A Artesol nasceu do sonho de uma mulher realmente inspiradora. Ruth Corrêa Leite Cardoso nasceu em 19 de setembro de 1930 na cidade de Araraquara, […]

Carla Rodrigues

Camila Fróis

22 de maio de 2024


A Artesol nasceu do sonho de uma mulher realmente inspiradora. Ruth Corrêa Leite Cardoso nasceu em 19 de setembro de 1930 na cidade de Araraquara, interior de São Paulo. Antropóloga, pesquisadora e ex-primeira dama do Brasil, ela integrou o movimento responsável por transformar a agenda social brasileira nos anos 90, com a expansão da educação e atenção aos grupos vulneráveis, por meio da elaboração de diferentes programas de fortalecimento da sociedade civil e de promoção do desenvolvimento social. Entre eles estava o Artesanato Solidário, programa criado com o objetivo de promover o desenvolvimento social e econômico de comunidades de artesãos tradicionais do país.

25 anos após a fundação da organização pela antropóloga, a Artesol acumula 194 projetos concluídos, mais de 41 publicações qualificadas sobre o artesanato brasileiro e realizou 33 mostras, como a recente feira-exposição Arte dos Mestres, um marco no mercado de arte popular do país.

“Nos enche de orgulho conseguir dar continuidade ao incrível legado de Ruth Cardoso. Mais do que honrar a história da nossa fundadora, nossa missão hoje é transformar cultura em dignidade e celebrar o artesanato e a criatividade brasileira, valorizando a história e o saber popular de cada artista cotidiano que mantém vivo nosso patrimônio cultural”, afirma Sonia Quintella, atual presidente da Artesol.

A presidente conta que a organização nasceu a partir do desejo da Ruth de abrir mercado para os artesãos e valorizar sua produção como um patrimônio cultural do Brasil. A partir desse sonho, ela organizou um grupo de pesquisadores, cientistas sociais e filantropos sensíveis que cruzaram o país, atravessaram os sertões nordestinos e deram início a um grande mapeamento do artesanato tradicional, incluindo núcleos de ceramistas, rendeiras, escultores e artistas populares diversos. Dessa missão nasceu uma metodologia própria para estruturar associações e cooperativas e capacitar artesãos em todo o território nacional nas áreas de gestão, design, comunicação e comercialização.

Em 2002 a Artesol tornou-se uma Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP), com ampla atuação nas áreas social, cultural e econômica por meio de diversos projetos relacionados ao artesanato brasileiro. “Demos esse passo graças às primeiras parcerias de aporte de conhecimentos e recursos humanos do Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular (CNFCP) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), além de recursos financeiros do SEBRAE, da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE) e da Caixa Econômica Federal”, conta o antropólogo e professor Antônio Arantes, um dos consultores que participou das primeiras expedições da Artesol idealizadas por Ruth.

Ao longo dos primeiros anos de atuação, a Artesol lidou com os desafios relacionados ao diálogo dos artesãos com os mercados. Era preciso identificar os clientes potenciais dos artesãos e construir com eles uma nova relação, enfrentado práticas pouco éticas e transparentes de comercialização, além de uma realidade marcada pela desvalorização do trabalho feito à mão.

Neste contexto as formações oferecidas pela Artesol envolvia desde a formalização das organização, o desenvolvimento e qualificação dos produtos, criação de padrões de embalagens, prazos e logística de entrega. Era necessário se criar uma nova cultura de venda no qual o preço justo, a qualidade e a transparência andassem juntos.

Outro tema relevante para fortalecer o setor era a questão da comunicação e marketing e, no caso do artesanato, o melhor marketing é a “contação de história”, sobre os autores, seus modos de vida, saberes e fazeres. Por isso, era tão importante localizar os artesãos, entender, documentar e registrar suas histórias. Por isso, foi produzida uma série de documentários inéditos sobre os processos criativos de associações de diferentes territórios brasileiros. Além disso, a organização implementou uma central de vendas de artesanato, lançou livros, projetou os artesãos na imprensa e influenciou políticas públicas para melhorar as condições de vida dos artesãos e artistas populares.

Hoje, a Artesol segue atuando para fomentar o comércio justo da produção artesanal do país e promover o diálogo entre tradição e contemporaneidade, realiza eventos culturais, oferece consultorias e cria conexões entre os artesãos e projetos de moda, design e arte, focados na brasilidade. Nesse contexto, a Artesol já facilitou a co-criação de coleções das marcas Osklen, Le Soleil e Flávia Aranha e muitas outras junto aos artesãos brasileiros. Também colaborou com exposições na São Paulo Fashion Week e enviou peças dos artesãos da Rede para o Salão de Milão, maior evento de design do mundo, além da Bienal de Cerâmica da China. A ONG ainda projeta a produção artesanal nacional nas principais publicações de moda, negócios e design da imprensa brasileira.

Por sua atuação no terceiro setor, a ONG foi a primeira organização brasileira ligada ao artesanato a se tornar membro da World Fair Trade Organization (WFTO), principal organização internacional do comércio justo. A Unesco é outra instituição que reconhece a atuação da Artesol no campo da salvaguarda do patrimônio cultural imaterial desde 2010. Em 2018, outra premiação da Revista Época e do Instituto Doar colocou a organização no ranking das 100 melhores ONGs do Brasil.

Quantas histórias cabem dentro de uma? Relatos de quem viu a Artesol nascer

Para além de números robustos, prêmios e reconhecimentos, em 25 anos de existência, a Artesol acumula histórias de vidas transformadas. Foi a partir de uma fase difícil, o período de secas que assolou o Nordeste brasileiro em 1996, que Ruth Cardoso idealizou a instituição, como relembra Luciana Vale, uma das consultoras envolvidas no projeto desde o seu início. “Numa visita ao Nordeste para avaliar a situação da seca, ela viu uma riqueza muito grande e foi quando resolveu criar a Artesol, um programa que pudesse atuar para ser uma alternativa de renda nesse período da seca”.

“A ideia de trabalhar com artesanato surgiu em decorrência das ações do Programa Nacional de Combate aos Efeitos da Seca de 1998. Durante o contato com as comunidades, percebemos que, em meio à pobreza e à falta de oportunidades, sobrevivia uma grande variedade de tipos de artesanato que eram expressões culturais potencialmente rentáveis. Mas o país havia se esquecido de que o artesanato é uma arte e a realidade que encontramos nos mostrou muitos artesãos desestimulados. A partir dessas constatações, iniciamos um trabalho pioneiro em pequenas comunidades do semiárido nordestino e do norte de Minas Gerais e Espírito Santo, lugares onde havia mestres conhecedores de técnicas de longa história e tradição, saberes que estavam quase sendo esquecidos”, contava Ruth Cardoso.

A partir de um levantamento realizado pelo Museu do Folclore, a antropóloga e, à época, primeira-dama, iniciou uma atenta e minuciosa escolha de localidades com tradições em técnicas artesanais e que apresentavam baixo IDH relacionado à seca para desenvolver um trabalho de geração de renda e valorização dos saberes manuais. “Nós sabíamos onde existia uma riqueza de trabalho, de cultura, e, então, decidimos valorizar isso, mostrando para o país que existe um trabalho artesanal do qual é possível viver”, explica Sheila Maiorali, atual assessora administrativa e financeira da organização e sua participante mais antiga.

A atuação da Artesol teve como norte uma metodologia baseada em campo, considerando as particularidades e necessidades de cada localidade. Luciana Vale, que já desenvolvia um trabalho de resgate da tradição em tecelagem em Minas Gerais, foi uma das consultoras responsáveis por atuar junto às localidades iniciais do projeto, no Vale do Jequitinhonha (MG), e explica melhor como o trabalho era desenvolvido. “Nós tínhamos que fomentar a geração de renda de maneira sustentável. Dona Ruth sempre se preocupou com alguns pilares na metodologia: renda, sustentabilidade, gestão das pessoas em grupo e gestão da produção. Como a Artesol é um projeto que prima pela tradição, nós nunca interferimos nas técnicas. As intervenções eram feitas apenas para adequar o produto ao mercado.”

Cada projeto então recebia o direcionamento de acordo com as necessidades identificadas, indo de oficinas de embalagem à auxílio na precificação do trabalho. A Artesol também foi responsável por estimular a atuação com técnicas não nativas às comunidades, mas que possuíam grande abundância de matéria-prima na região e potencial de comercialização, como no caso do município de Massaranduba, no Rio Grande do Norte. “A Artmar começou como parte de um projeto de alfabetização de jovens e adultos do governo federal. A ideia inicial era desenvolver alguma ocupação que também trouxesse renda para essas pessoas. Foi então que a Artesol, juntamente com o Sebrae, nos ajudou a definir o que seria essa ocupação e a matéria prima que utilizamos: a fibra de carnaúba, com extremo valor artesanal. Além disso, a ONG nos ajudou a profissionalizar, popularizar e trazer clientes importantíssimos para nós desde o início, desenvolvendo a associação e nos mantendo em atividade”, esclarece Jeane, uma das fundadoras da associação. 

Em outras localidades, o trabalho desenvolvido tinha como objetivo a valorização das técnicas já consolidadas na região, como explica Maria José Souza, artesã integrante da ASDEREN (Associação para o Desenvolvimento da Renda de Divina Pastora), no leste sergipano. “Aqui no nosso município, as pessoas têm tanto costume de fazer a renda que não davam a ela o seu devido valor. Então, essa auto valorização, veio através da Artesol, que nos despertou para isso, com um sentido de ser mais profissional, comercializar nosso trabalho de uma forma mais justa, sabendo dar preço e valorizando o que é feito. Esse foi um caminho que a Artesol nos acompanhou e continua acompanhando até hoje”, relembra.

Uma rede de conexões e afetos

Após a morte de sua fundadora e presidente Ruth Cardoso em 2008, a Artesol, porém, passou pelo processo natural de organizações que atingem uma maturidade para além de suas origens e fundadores: a necessidade de recuar, olhar para dentro e planejar os próximos passos. 

“O que nós percebemos em relação ao setor artesanal era que existiam muitos dados, mas não havia uma instituição ou programa que centralizasse as iniciativas de apoio, informações ou contatos dos artesãos”, relembra Sheila. Foi a partir dessa conclusão que se criou a Rede Artesol, iniciativa de mapeamento e articulação da cadeia produtiva do artesanato brasileiro, responsável por reunir e exponenciar a produção artesanal e seus produtores a nível nacional. 

Sempre em constante atualização, a Rede Artesol é um projeto de mapeamento e articulação da cadeia produtiva do artesanato brasileiro que difunde a memória dos artesãos e seus saberes populares em uma moderna plataforma digital, promovendo a conexão entre eles e o mercado. Nesta plataforma, o público encontra histórias, imagens e informações sobre os trabalhos das associações, mestres, artesãos, lojistas, programas de fomento e instituições culturais que atuam nesse universo.

“Em 5 anos de atuação, a Rede consolidou o maior mapeamento do artesanato do país e ampliou oportunidades de negócios para comunidades tradicionais. É uma tecnologia social que gera renda para milhares de brasileiros e que aborda o passado e o futuro, a tradição e a inovação, a ancestralidade e a contemporaneidade, o tempo das mãos e a era do algoritmo”, afirma Jô Masson, diretora executiva da ONG.

A atuação da Artesol hoje é um divisor de águas, porque nos ajuda a abrir um leque de novos clientes com a Rede. Ela pega tudo o que tem de melhor do Brasil e mostra para o mundo e isso é muito importante para nós”, declara Maria José, que também integra a Rede com a ASDEREN.

A reverberação de um trabalho iniciado há 25 anos, como explica Sheila, traz também a essência da Artesol em enxergar o artesanato para além do produto final. “Nós aprendemos muito e hoje conseguimos fazer muitas coisas sozinhas. Nós nunca esquecemos o quanto eles nos ajudaram e continuam contribuindo através da Rede, divulgando nossos produtos. Se não fosse o incentivo e a divulgação da Artesol, a cooperativa não teria chegado onde está”, complementa Deane Lopes, diretora financeira da Cooperafis, Cooperativa Regional de Artesãs Fibras do Sertão, em Valente – BA, que foi uma das contempladas do primeiro projeto da Artesol e hoje integra a Rede.

É esse cuidado e atenção no trabalho que vai do campo às páginas da Rede que tornam a Artesol uma das maiores responsáveis por apoiar a salvaguarda e estimular novas gerações para o fazer artesanal. “Muitas tradições já teriam se extinguido se não fosse esse olhar cuidadoso que a Artesol tem com as pessoas, de buscar entender primeiro o ser humano, o contexto dele”, finaliza Luciana. Os resultados desse trabalho mostram que “é possível nos conectarmos às nossas tradições para reinventar coletivamente nosso futuro com mais sustentabilidade, mais beleza, mais dignidade e mais sentido”, conclui Sonia Quintella.

Carla Rodrigues, pernambucana e jornalista formada pela Unesp, atua como produtora de conteúdo para redes sociais. Entusiasta da cultura popular brasileira, é autora do livro “Onde há rede, há renda: as histórias por trás das rendas e bordados alagoanos”.

Camila Fróis é jornalista, dedicada a a cobrir pautas da área de cultura popular, meio ambiente e direitos humanos.