À Nordeste: uma exposição de infinitas pluralidades
A exposição, que fica no Sesc 24 de Maio (em São Paulo-SP) até 25 de agosto, reúne obras de artistas que complexificam a visão cristalizada sobre a região, mostrando vários “outros Nordestes” urgentes presentes nos dias atuais
Helena Kussik
Do encontro dos curadores Bitu Cassundé, Clarissa Diniz e Marcelo Campos surgiu o desejo de cruzar as pesquisas que vinham desenvolvendo ao longo dos anos de atuação no meio. Se no início, há pouco mais de 3 anos, o pedaço que cada um carregava de sua trajetória construiu a base, foi no ano de 2018, com extensa pesquisa de campo visitando os 9 estados da região Nordeste, que cresceu-se a forma. O título já vinha de muito antes, de um texto do artista Yuri Firmeza sobre a performance nordestina apresentado em um festival no Rio de Janeiro em 2011. Yuri, cearense, provoca: “À Nordeste de que?” e assim expõe que o território é localizado a partir de um referencial – o sudeste que se faz centro hegemônico e coloca-se pretensamente como espaço de neutralidade. Apontar à Nordeste, aqui com crase deliberadamente fora da norma, é sacar o centro e reconhecer que o que se cria é de dentro de um lugar que não se vê à parte, como “grande outro nacional” para citar Rondinelly Medeiros, mas sim, se expressa como parte.
Os trabalhos expostos desafiam através da linguagem o que muitas vezes imprime-se como imagem imposta. Revelam que os limites limitam-se a eles próprios, pois a potência e multiplicidade das expressões está sempre a desafiá-los. Os mais de 160 artistas que expõem seus 343 trabalhos no Sesc 24 de maio incorporam e transladam o imaginário territorial afetivo de maneira implosiva e, assim, o expandem, retratando os os mais diferentes contextos temporais e imagéticos.
A expografia labiríntica dos arquitetos Fernanda Carlucci e Valdy Lopes que projeta os 5 núcleos (Futuro, Insurgência, (De)colonialidade, Trabalho, Natureza, Cidade, Desejo, Linguagem) de maneira permeável é uma “armadilha de fuga para fora do lamaçal de estereótipos e preconceitos, dos mais toscos aos mais sutis” cristalizados acerca do Nordeste, como afirma Clarissa Diniz. Essa tática é também exposta na profusão de obras, que dialogam entre si, mas desnorteiam a percepção implicando reflexão.
São expostos lado a lado artistas renomados e criadores culturais de maneira indistinta e não hierarquizada deixando claro que as expressões individuais, cada uma a sua maneira, comunicam realidades a serem observadas, tocadas e compreendidas. Dessa forma, o acesso que nos dão é único e imprescindível. Expor, por exemplo, o Gibão de Espedito Seleiro ao lado da obra Simbolismo do Cangaço de J. Cunha, ou o Bordado boa noite da Cooperativa de Bordadeiras da Ilha do Ferro ao lado das Fitas de Rogério Gomes, ancora a discussão para além do espaço restrito da arte contemporânea de matriz europeia. Assim, questiona-se um cenário que muitas vezes de maneira cínica e perversa recalcou outras formas de arte, ainda que tivesse nessas infindas expressões fonte reconhecida de inspiração.
A exposição conta também com nomes como Abraham Palatinik, Almandrade, Antônio Bandeira, Ayrson Heráclito, Bárbara Wagner, Benjamin de Burca, Bispo do Rosário, Cristiano Lenhardt, Gilberto Freyre, Dona Morena, Gabriel Mascaro, Jean-Pierre Chabloz, Juliana Notari, Leonilson, Marepe, Maria Selma, Mestre Vitalino, Mestre Noza, Mestre Galdino, Romero Britto, coletivo Saquinho de Lixo, Sérgio Vasconcelos, Pêdra Costa, Portinari, Tadeu dos Bonecos, Véio, Vicente do Rego Monteiro, Zahy Guajajara.
Com a visita, destacamos alguns dos criadores que estão em nossa Rede Artesol:
Espedito Seleiro
Espedito herdou a profissão do pai, que, como conta, fez sandálias até ao vaidoso Lampião. Trabalha com cores e formas que cativam o olhar e remetem a histórias ancestrais de um local tão rico como é Nova Olinda, no Ceará. Seu Espedito inova a cada combinação inusitada e nos usos propostos para seu refinado trabalho em couro.
Mestra Irineia
Irineia herdou a profissão do pai, que, como conta, fez sandálias até ao vaidoso Lampião. Trabalha com cores e formas que cativam o olhar e remetem a histórias ancestrais de um local tão rico como é Nova Olinda, no Ceará. Seu Espedito inova a cada combinação inusitada e nos usos propostos para seu refinado trabalho em couro.
Cooperativa Ilha do Ferro
A técnica do bordado boa noite trabalhada pelas artesãs da Ilha do Ferro há quase um século recebe este nome por assemelhar-se muito a uma pequena flor homônima da flora local. Com pontos de rigorosa geometria as mulheres criam a arte e estruturam o ambiente que habitam, resgatando e reformulando memórias no cotidiano
Lançamento
Lançamento Livro Janete Costa, Arquitetura, Design e Arte Popular
25 de março, às 19h, no canal da Cepe /Editora no YouTube, com participação de Adélia Borges, Júlio Cavani, Roberta Borsoi e Diogo Guedes Preço do livro: R$ 100 (impresso); R$ 40 (E-book)
Serviço
A entrada é gratuita e a exposição é aberta até 25 de agosto, de terça a sábado, das 9h às 21h, e aos domingos e feriados, das 9h às 18h, no Sesc 24 de Maio (Rua 24 de Maio, 109 – Centro), próximo ao metrô República. A visitação à exposição é recomendável para maiores de 14 anos.
Rede Artesol
Helena Kussik
Helena Kussik é mestre em Antropologia e atua como designer e pesquisadora. Atualmente se dedica a projetos de mapeamento de comunidades artesãs e articulação entre setores e agentes integrados na cadeia do artesanato nacional.