A produção artesanal como expressão da ancestralidade indígena
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Camila Fróis
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O Brasil tem, ao todo, 305 etnias que falam ao menos 274 línguas – sendo um dos países com maior diversidade sociocultural do planeta. Essas etnias sobrevivem protegendo grandes porções de áreas florestais da Amazônia e outros biomas, como o cerrado e a caatinga. Preservam também um patrimônio imaterial inestimável que se traduz em manifestações, rituais, ícones e objetos artesanais.
Para valorizar e estimular o consumo da produção artesanal indígena, a Rede Artesol mapeou 15 organizações de diferentes etnias em todo o país, que atuam na confecção ou comercialização do artesanato indígena, além de 10 lojas especializadas em arte indígena que respeitam os princípios do comércio justo. Os grupos/lojas foram incluídos na plataforma do projeto (artesol.org.br), que funciona como um importante mapa do artesanato brasileiro, onde é possível encontrar informações sobre os artesãos e sua produção e contatá-los diretamente.
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Devido ao isolamento das aldeias, um dos fatores mais complexos na comercialização do artesanato indígena é a comunicação dos artesãos com o público e a logística de transporte e distribuição da produção. Por isso, segundo Josiane Masson, diretora executiva da ong Artesol, a inserção de associações indígenas e lojas especializadas nesse tipo de artesanato na Rede Artesol é uma estratégia para facilitar o acesso das aldeias ao mercado e fortalecer uma cadeia de comércio justo com pagamento de valores dignos pelo artesanato. “Dessa forma, é possível estimular a produção de diferentes etnias, para que sua cultura se mantenha viva”, explica.
A diversidade dos artefatos criados nas aldeias brasileiras é resultado da experimentação de formas, elementos naturais e técnicas artesanais de trançado, entalhe, escultura e pintura, que conferem à arte indígena um caráter exclusivo. Entre os principais objetos produzidos pelas etnias estão cestarias, máscaras, artigos têxteis, cerâmicas e móveis os famosos bancos do Xingu (MT). Eles são criados tanto para o uso próprio quanto para a venda como artigos de decoração. Na tribo, os cestos são criados para coleta de frutas ou armazenamento de comida. As panelas Waurás, por exemplo, são moldadas no formato ideal para o preparo do beiju (iguaria feita a partir da tapioca). Já os bancos indígenas são esculpidos em formato de bichos que são sagrados para cada etnia.
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Além do valor cultural, um aspecto importante da produção indígena é a questão da sustentabilidade. Uma das grandes contribuições dos povos nativos para nossa sociedade é o seu modelo de inter-relação com a paisagem onde eles vivem. Na compreensão indígena, homens, árvores, serras, rios e mares são um corpo, com ações interdependentes. Por isso, a natureza é sagrada, assim como muitos objetos criados com elementos naturais.
O fator da transmissão de saberes também é muito relevante na dinâmica produção dos artefatos indígenas. Em muitas etnias brasileiras, as técnicas artesanais representam o fio que conecta a ancestralidade e a memória que transcorre gerações e resiste nas aldeias Waurás, Mehinakos, Guaranis, Krahôs, Yanomamis, Kayapos, Huni Kunin e de tantos outros povos. Para Stive Mehinako, que vive no Parque Indígena do Xingu (MT), a produção artística da aldeia é a forma de preservar sua cultura e valorizar sua ancestralidade, além de ter se tornado fonte de renda para a comunidade. “Através da venda da nossa arte, conseguimos comprar o que precisamos para manter vivos nossos costumes e complementar nossa alimentação, comprar materiais de construção, remédios e matérias-primas para continuar fazendo nosso ofício”.
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As pinturas aplicadas nos objetos artesanais trazem grafismos próprios de cada povo. Stive explica que existem vários desenhos com significados diferentes. “Há os grafismos para homens e para mulheres, que são feitos com tintas derivadas da natureza. Eles são aplicados com a fibra de buriti para que os riscos fiquem perfeitos nas superfícies em que são utilizados. Na pele, existem grafismos pra lutas, festas e rituais espirituais. O significado também muda para grafismos em cada objeto”.
A professora e antropóloga Jane Beltrão explica que, para os indígenas, pintar-se ritualmente também é uma forma de expressar os mais específicos valores de sua cultura – uma cultura rica que possui múltiplas formas de decorar tanto corpos quanto artefatos. “A arte indígena é um sofisticado meio de comunicação estética, que informa aos demais sobre a diferença que emana força, autenticidade e valores das nações indígenas”.
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1 – Rede e esteira Mehinako
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Rede de tecelagem manual criada com fibra de buriti (Mauritia flexuosa) e fio de algodão, executada por mulheres da etnia Mehinako no Parque Indígena do Xingu, estado de Mato Grosso. A tecelagem manual da rede indígena é uma técnica altamente sofisticada, que mistura saberes tradicionais e a criatividade da artesã ou artesão. São únicas e perfeitas tanto para decorar qualquer ambiente quanto para relaxar um pouquinho. As esteiras são criadas com a mesma técnica e podem ser usadas como painéis de decoração.
2 – Mochilas Kayapo
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As mochilas são pintadas à mão pelas mulheres Kayapo, com o grafismo característico da etnia, em lona reciclada, com tinta à base de água, preta ou marrom, resistente à lavagem. Cada pintura é única. Por meio de uma parceria com o Instituto Kabu, associação civil sem fins lucrativos do Pará, que representa a etnia, a Perky envia o tecido já cortado às aldeias para a pintura. A mochila possui design com pintura natural, bolso exterior, alças ajustáveis, divisória interna e fechamento com zíper.
3 – Remo Waurá
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Remo criado pelos indígenas Waurá, etnia que vive no Parque Nacional do Xingu, maior território dedicado aos povos nativos do país. O remo é uma peça tradicional pintada com grafismos. Os desenhos estilizados são inspirados em peles de animais, elementos da paisagem ou simbolismos sagrados. A pintura indígena em peças de madeira como o remo é feita a partir de pigmentos naturais como o jenipapo e o urucum. Do jenipapo ralado se faz um caldo que é utilizado na pintura preta. Já com o caroço do urucum é criada uma pasta que dá origem ao pigmento vermelho.
4 – Bancos do Xingu
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Os bancos indígenas criados no parque indígena do Xingu por diferentes etnias aliam funcionalidade e estética. Esculpidos em madeira, muitas vezes em formatos de animais, são pintados com grafismos ou coloridos com pigmentos diversos e retratam o universo cultural e a cosmologia das etnias que os criam. Ao mesmo tempo que são reconhecidos como objetos de arte e design, preservam sua dimensão religiosa e simbólica dessas etnias.
5 – Fruteira NACIB
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Fruteira criada com piaçava por artesãos do Núcleo de Arte e Cultura indígena de Barcelos (NACIB) no Amazonas em parceria com o designer Sérgio J. Matos. O núcleo inclui indígenas das etnias Baré, Baniwa, Tariano, Tukano e Tuyuca. A maior parte da matéria-prima é extraída por eles no Rio Negro e seus afluentes Padauiri e Aracá. O manejo é realizado através dos conhecimentos milenares indígenas que respeitam técnicas sustentáveis.
6 – Cesto Yanomami
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Os Yanomami vivem em alto grau de isolamento na floresta tropical. São cerca de 40 mil pessoas, distribuídas em 550 comunidades, sendo 300 no extremo noroeste da Amazônia Brasileira e 250 no sul da Venezuela. Cada objeto produzido pelo povo Yanomami guarda uma história. O formato da cestaria e suas linhas circulares se conectam com a vida cotidiana dos Yanomami. É de forma concêntrica que eles interagem com a floresta, dispondo suas casas no centro e ampliando o raio para as roças e áreas de caça. Esse mesmo desenho se repete no corte de seus cabelos e nos grafismos. As peças são feitas de cipó titica com detalhes de fios de fungo negro ou pinturas de tintas naturais como o urucum.
7 – Cerâmica Waurá
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As mulheres da etnia Waurá, habitantes do Parque Indígena do Xingu, são conhecidas por serem exímias ceramistas, uma tradição de tempos imemoriais que continua viva. O barro é coletado nas imediações da aldeia e para aplicar os grafismos elas usam pigmentos naturais como o jenipapo e o urucum. A cerâmica dessa etnia é uma das mais elaboradas categorias de objetos do Alto Xingu e inclui desde minúsculas tigelas em formatos de bichos até panelas gigantes.
Serviço
Para comprar as peças indígenas
Artiz – Shopping JK Iguatemi, São Paulo/SP
Compra através do WhatsApp: (11) 97555-2827 ou catalogoartiz.com
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Camila Fróis
Camila Fróis é jornalista, dedicada a a cobrir pautas da área de cultura popular, meio ambiente e direitos humanos.