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Artesol mapeia territórios criativos do Brasil

Para iniciar esse mapeamento, a Artesol convidou a pesquisadora e artista visual Laís Domingues, que percorreu alguns dos polos artesanais brasileiros para documentar as histórias e processos dos artesãos em territórios reais e simbólicos que remontam o conceito de brasilidade e da nossa identidade multifacetada.

Camila Fróis


No último ano, a Artesol, ong que atua há 25 anos na valorização do artesanato brasileiro, catalogou 15 territórios criativos, ou seja, polos produtivos no interior do país que são celeiros de produções artesanais como a cerâmica, os bordados, as esculturas em madeira, a tecelagem, entre outras técnicas tradicionais do país. A ação é uma das frentes da Rede Nacional do Artesanato Cultural Brasileiro, que, ao todo, já envolve mais de 10 mil artesãos em 24 estados do Brasil.

Os territórios catalogados concentram uma expressiva quantidade de artesãos, mestres, coletivos, oficinas e ateliês de artistas populares dedicados a técnicas que são repassadas há muitas gerações, sendo essenciais para a economia de muitos grupos familiares. O artesanato foi, portanto, o chamariz que nos instigou a olhar para os territórios reais e simbólicos que remontam o conceito de brasilidade e da nossa identidade multifacetada.

Os destinos foram selecionados a partir de um criterioso mapeamento que levou em consideração os aspectos culturais como identidade local e técnicas tradicionais, o manejo sustentável de matérias-primas, a qualidade das peças e a capacidade produtiva dos grupos, assim como sua relação com as manifestações coletivas.

Um exemplo é o polo da Lagoa do Mundaú, em Maceió (AL), que reúne cerca de mil bordadeiras dedicadas ao bordado de filé, uma técnica que é patrimônio histórico estadual e constitui a principal fonte de renda para a comunidade local.O bordado de filé também foi reconhecido através do Certificado de Indicação Geográfica, que caracteriza o produto como genuinamente alagoano e de grande excelência técnica.

O nome filé vem do francês “filet”, que quer dizer rede. De fato, é um bordado sobre uma rede de fios. Ele é criado com temas florais em cima de uma trama que lembra a rede de pesca dos maridos das artesãs, que vivem à beira das lagoas Manguaba e Mundaú. É lá que as mulheres tecem a própria sobrevivência com fios coloridos e muita paciência, atraindo turistas, incentivando a abertura de negócios como lojas e restaurantes e movimentando toda uma cadeia econômica em torno da sua produção.

Uma câmera na mão e muita escuta ativa e interessada

Para esse trabalho de identificação dos territórios criativos, a Artesol convidou a pesquisadora, artista visual e fotógrafa Laís Domingues para percorrer alguns dos polos selecionados e documentar as histórias de destinos mergulhados na tradição artesanal. Em sua trajetória profissional, Laís já participou de residências artísticas, séries documentais, fotografou, relatou e até bordou a história de muitas artesãs do Nordeste que foram parar em mostras e exposições. Vem daí seu interesse e afinidade com esse universo múltiplo e potente do artesanato brasileiro.

Na primeira etapa, foram selecionados 15 municípios e distritos onde se destacam diferentes técnicas artesanais. “Sensação de quem abre mata fechada, com uma infinidade de informações e possibilidades para guiar minha escrita ainda sem referências. Decidi começar pelos territórios próximos a mim, indo a campo com escuta ativa e atenciosa, ouvindo relatos, sentindo o lugar, o clima, o povo”, conta a pesquisadora.

“Com muita curiosidade e uma câmera no pescoço, iniciei a pesquisa pelo Vale do Catimbau (PE), lugar onde vivo atualmente, importante polo do entalhe em madeira. Em seguida, visitei Serrita (PE), Tracunhaém (PE) e Crato (CE). Apesar da proximidade, nunca tinha passado por essas cidades e cada uma delas me surpreendeu de uma forma diferente”, emenda Laís.

Tracunhaém é outro exemplo de território criativo. O município da zona da Mata Pernambucana, que, por muito tempo se destacou por sua notável produção de panelas de barro, entrou para o mapa do artesanato brasileiro e diversificou sua produção a partir da criação de mestres que se tornaram conhecidos pela arte figurativa, como o falecido Mestre Nuca, que inspirou uma geração de artistas após consagrar a figura do seu famoso leão de juba encaracolada.

Nuca costumava dizer que, “em Tracunhaémoubarrovirasantoou vira panela.”Por conta da criatividade ímpar dos seus artesãos, o destino conquistou a atenção arquitetos, colecionadores e lojistas do centro do país.

Essa vocação de transformar o barro em arte, acabou por mudar também a dinâmica econômica e cultural do município. Essa é uma das histórias registradas por Laís no seu trabalho de mapeamento. A partir da seleção dos primeiros territórios a serem catalogados uma pergunta norteou sua pesquisa, “como nasce um polo criativo”?

“A partir da ida a campo, algumas percepções foram evidenciando temas essenciais e, entre reuniões com a equipe da ARTESOL, leituras e relatos, surgiram os eixos centrais dos perfis de cada território”, relata Laís.

Segundo a pesquisadora, a mata fechada foi sendo aberta através de vídeos, documentários, artigos científicos e teses. “Foram meses de pesquisa que me levaram a perceber que o ambiente acadêmico ainda escreve muito pouco sobre o artesanato brasileiro e que o poder público pouco entendeu sobre a importância e a potencialidade dessa atividade para a economia, a cultura, mas, principalmente, para a afirmação da identidade do povo”.

Uma prova disso é que existem muitos municípios, onde o artesanato é a principal atividade econômica, mas em que não existem sequer registros fotográficos de mestres, artesãos e suas criações.Daí a importância desse trabalho de registrar não só o trabalho, mas especialmente a memória social dos artesãos e artistas populares, assim como suas perspectivas de mundo.

Segundo Laís, o trabalho de documentação dos territórios trouxe diferentes percepções sobre o segmento artesanal. Uma delas é que muitos polos catalogados em áreas rurais têm uma oferta restrita de trabalho formal, o que torna o artesanato uma alternativa de renda muito relevante nesses lugares, para além da sua importância cultural. “Esse fato deveria motivar os gestores das esferas municipais, estaduais e federais a desenvolverem espaços e leis de incentivo para fomentar o artesanato enquanto atividade econômica. A vocação dos mestres locais poderia seguir sendo compartilhada, se perpetuando por gerações através da valorização do ofício. Dessa forma, o êxodo para centros urbanos seria uma escolha e não uma necessidade”, avalia.

“Jalapão (capim dourado), Abaetetuba (entalhe em miriti), Ouro Preto (pedra sabão) e Resende Costa (tecelagem com algodão e retalhos) me fizeram refletir sobre a oferta de matéria-prima em cada região do país e sobre a importância do extrativismo consciente para que a tradição do fazer artesanal possa seguir existindo sem impactar de forma negativa as futuras gerações”, conta.

“Finalizei o mapeamento com um desejo latente de continuar pesquisando, visitando e me afetando pelos saberes e fazeres artesanais, entendendo o passo a passo da feitura de cada objeto produzido e expandindo minha percepção para as infinitas possibilidades criativas que nosso território é capaz de materializar. Por fim, reflito sobre a importância do artesanato e da educação andarem juntos, pois a partir do entendimento dos processos de feitura a valorização do ofício acontece”, finaliza Laís.

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Camila Fróis é jornalista, dedicada a a cobrir pautas da área de cultura popular, meio ambiente e direitos humanos.