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As cores do cerrado e o tingimento Amaria

Imagine uma paleta com mais 500 cores que vão dos tons terrosos às mais vibrantes tonalidades quentes, frias, neutras e fluorescentes. É mais ou menos esse acervo de possibilidades que você encontra disponível na natureza para criar o que quiser.


Imagine uma paleta com mais 500 cores que vão dos tons terrosos às mais vibrantes tonalidades quentes, frias, neutras e fluorescentes. È mais ou menos esse acervo de possibilidades que você encontra disponível na natureza para criar o que quiser: centenas de diferentes pigmentos que podem ser transformados em tintas naturais para tingir diferentes materiais utilizados no artesanato tradicional brasileiro. As tintas naturais são, portanto, aquelas que, ao invés de serem feitas de produtos químicos, são extraídas de elementos da biodiversidade como pétalas de flores (ou apenas seus pistilos), castanhas, cascas, raízes, frutas, raspas de madeira, folhas, plantas inteiras ou restos de insetos. Tratam-se de materiais orgânicos feitos com moléculas que contêm pigmentos e aglutinantes (fixadores). Qualquer tipo de terra ou argila também pode ser usado para fazer tinta. A escolha depende da cor e do efeito que se busca.

Os tons de Muzambinho

“Eu gosto de sair assim andando pela estrada reparando bem o caminho, o mato, as plantas, as árvores. Quando eu acho alguma coisa bonita, tipo uma flor, ou um pau, eu pego, levo pra casa e fervo pra ver que cor vai dar.”

No artesanato, geralmente as tintas naturais são usadas para colorir cestos de fibras, sandálias de couro, potes de cerâmica e os mais diversos tecidos, como é o caso das coleções desenvolvidas na pequena cidade de Muzambinho, no sul de Minas Gerais, por um coletivo de 30 mulheres batizado de “Amaria”. Ali, a paisagem do cerrado mineiro, seus tons e nuances inspiram a criação de uma moda que tem como traço a sofisticação das peças exclusivas feitas com tecidos naturais de algodão colhido na região, tecidos em tear manual, colorido com flores dos jardins das artesãs e bordados com minimalistas feitos com paciência oriental-mineira. A marca Amaria nasceu a partir de um desejo da designer Mauymi Ito de estimular a coletividade entre as costureiras e bordadeiras e integrar os saberes locais às peculiares técnicas japonesas. Antes de chegar à Muzambinho, ela passou 15 anos no Japão pesquisando uma estética autêntica a partir dos fazeres manuais e técnicas de produção mais sustentáveis como o uso de tintas a partir de pigmentos vegetais. Quando desembarcou no sul de Minas, a designer logo identificou o talento de artesãs da área rural que eram autodidatas na arte de tingir, tecer e bordar.

“Eu gosto de sair assim andando pela estrada reparando bem o caminho, o mato, as plantas, as árvores. Quando eu acho alguma coisa bonita, tipo uma flor, ou um pau, eu pego, levo pra casa e fervo pra ver que cor vai dar. Se der um tom bonito… eu já começo a tingir as meadas de algodão”, conta dona Maria José, uma das artesãs que dá vida e tom aos tecidos produzidos na Confecção Edwiges e utilizados na produção “Amaria”. O intrépido trabalho de Maria José como investigadora das cores é um dos elementos que traz a originalidade da marca mineira que vem ganhando espaço nacionalmente. Para diversificar seu acervo de tintas, a artesã planta um tanto de flores, folhas de chá e árvores no seu próprio jardim. “A gente vai pedindo muda pros vizinhos, pegando uma raíz aqui num terreno baldio, nas roças, nas praças e vai aumentando a horta”, conta. Entre as cores produzidas por ela, estão pigmentos feitos a partir de casca de cebola, pétalas de rosa, borra de café, semente de urucum, açafrão, galhos de cajueiro, romãzeira e abacateiro que ela tem no quintal.

Desse processo então surgem as peças criadas em pequenas tiragens, através de um modelo de produção inteiramente manual que incluem a fiação na roca, o tingimento natural e o bordado.

O tingimento natural e o meio ambiente

O tingimento têxtil é o segundo maior poluidor de água limpa na Terra. São 200 mil toneladas de corantes sintéticos despejados a cada ano nos rios durante as operações de tingimento

O uso de produtos naturais reduz a emissão de efluentes químicos – corantes sintéticos e muitos produtos que contaminam os lençóis freáticos, os solos e dificultam expressivamente o tratamento da água. Na verdade, o tingimento têxtil é o segundo maior poluidor de água limpa na Terra. São 200 mil toneladas de corantes sintéticos despejados a cada ano nos rios durante as operações de tingimento e apenas uma pequena proporção destes resíduos são reciclados, o que significa a poluição de bilhões de litros de água anualmente. Essas substâncias matam peixes e outros organismos aquáticos. Os produtos químicos tóxicos dos corantes também podem se infiltrar no solo e contaminar as reservas de água potável subterrâneas. Esse considerável desperdício de água é causado principalmente pela indústria do fast fashion que aumentou significamente a produção no mercado têxtil sem desenvolver soluções ambientais compatíveis com esse ritmo.

Por esse motivo, designers e confecções, especialmente as marcas ligadas aos fazeres artesanais começam a se preocupar com toda a cadeia produtiva da moda, retomando a técnica de tingimento natural utilizada pela humanidade, na verdade, há pelo menos cinco mil anos – o que remete ao começo da era neolítica. Os egípcios foram os primeiros a utilizar raiz de açafrão, cúrcuma e índigo (extraído da planta Indigofera tinctoria, de coloração azul) para a produção de corantes. Os indianos também tiveram um papel fundamental na disseminação e aprimoramento das técnicas de tingimento. O uso dos corantes naturais em algodão foi o grande presente que a Índia deu ao mundo. Hoje estilistas, designers e artesãos partem desses conhecimentos ancestrais para realizar novas pesquisas, testes e experimentos com diferentes tipos fixadores que podem ser naturais ou não para melhorar a qualidade dos corantes naturais e tornar esses compostos mais baratos para que possam ser usados em maior escala.

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