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Conhecer para reconhecer: ISA e FOIRN lançam livros sobre cerâmica Baniwa e Tukano

Produções têm grande relevância para o conhecimento, a valorização e o respeito à cultura indígena, hoje tão ameaçada pelas políticas governamentais

Adélia borges


O reconhecimento de algo pressupõe o seu prévio conhecimento. Só se respeita o que se conhece e, tanto quanto possível, compreende. Daí vem a importância dos livretos da Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (FOIRN) e do Instituto Socioambiental (ISA) sobre práticas criativas ancestrais de povos indígenas do Alto Rio Negro. Em 2001 tivemos “Arte Baniwa” e “Banco Tukano”, que ajudaram muita gente a entender melhor esse universo. Duas décadas depois, agora surgem duas novas publicações: “Cerâmica Baniwa” e “Cerâmica Tukano”.

O formato é o mesmo: são livros de bolso, fáceis de transportar e ler. Nada que lembre a pretensão dos coffee-table books, a exigir suportes para serem folheados e que acabam ficando de enfeite na mesa para impressionar as visitas.

As publicações primam pela concisão, sem que isso implique em serem rasas ou superficiais. Ao contrário. Após uma breve apresentação daquele povo indígena, elas explicam, com imagens e textos, o passo a passo de elaboração do artefato: da escolha, coleta e tratamento das matérias-primas aos significados culturais e simbólicos das formas e grafismos empregados. Os objetos são mostrados, assim, como forte expressão da identidade e da visão de mundo daquele povo.

Aprendi muito com os dois exemplares iniciais da série. Em “Arte Baniwa”, fiquei encantada com o inventário dos desenhos dos trançados, no capítulo “Sílabas gráficas”, que mostravam os motivos geométricos empregados nos trançados, em diferentes combinações das talas de arumã em cor natural, preto ou vermelho, cada qual com seu nome e significado. Em “Banco Tukano”, o processo de coleta dos troncos até a aplicação dos grafismos também é ricamente documentado. Tive a alegria de poder usar as fotos do passo a passo na exposição “Kumurõ: Bancos indígenas da Amazônia”, com minha curadoria, realizada em Paris, que integrou a programação do Ano Brasil na França, em 2005. Essa contextualização permitiu uma fruição muito maior sobre o objeto por parte do público.

Os povos Baniwa e Tukano habitam o Noroeste amazônico, na região conhecida como “cabeça de cachorro”, por ter essa forma no desenho do mapa que delineia a fronteira do Brasil com a Colômbia e a Venezuela. É ali que se situa São Gabriel da Cachoeira, o município mais indígena do Brasil, com área superior à da Inglaterra. A região se distingue por sua diversidade socioambiental e por possuir um histórico de fortalecimento das culturas locais simultaneamente ao incentivo aos intercâmbios entre os povos, resultado da atuação decisiva da Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn).

É nesse contexto que estão as duas cerâmicas abordadas pelas novas publicações. A Baniwa tem coloração clara, padrões gráficos vermelho-alaranjados e acabamento em verniz vitrificado. É chamada de “cerâmica branca” por alguns. Já a Tukano tem acabamento enegrecido, com pintura em negativo. Ambas são artes exclusivamente femininas e seguem preceitos estritos quanto ao modo de elaboração.

Os repertórios gráficos se distinguem. Como explica Thiago da Costa Oliveira, autor do texto de “Cerâmica Baniwa”, muitos dos padrões gráficos presentes nesta cerâmica são também encontrados na cestaria da região. “Alguns motivos são mais usados, como os padrões geométricos diakhe e arhaipa. Outros padrões são chamados de liatsakana, que pode ser traduzido como ‘decoração’, e consistem em pequenos desenhos colocados geralmente no interior das peças.” Já a cerâmica Tukano tem grafismos estampados também nos bancos, maracás, flautas e pinturas corporais da etnia, como explica a autora Juliana Lins.

“Desde os anos 2000, mulheres Baniwa vem se organizando para encontrar conhecedoras para repassar o conhecimento da produção de cerâmica às novas gerações. O esforço resultou em oficinas que tiveram apoio do Museu do Índio, do Museu Nacional e do Instituto Socioambiental, sobretudo para a recuperação do repertório gráfico utilizado na decoração dos potes. Neste processo, o número de produtoras de cerâmica cresceu e o conhecimento sobre os diversos procedimentos envolvidos nas técnicas de produção – da coleta e localização de materiais aos segredos do acabamento vitrificado – foram compartilhados”, diz Thiago de Oliveira Costa. A arte cerâmica está igualmente muito viva no povo Tukano. As duas vêm incorporando inovações, inclusive quanto às tipologias de objetos.

Os livros trazem muitas imagens das artesãs e os nomes completos de todas elas – quem leu uma de minhas colunas anteriores sobre a questão da autoria sabe como considero esses créditos imprescindíveis. E para terminar cabe lembrar que a elaboração dos artefatos indígenas nos dá sempre lições de consonância com o uso respeitoso da biodiversidade do território e com as melhores práticas do desenvolvimento sustentável. Repetindo uma frase do ISA, “diversidade é futuro”.

Serviço


“Cerâmica Baniwa” e “Cerâmica Tukano”, FOIRN e ISA, São Gabriel da Cachoeira e São Paulo, formato 10 x 15 cm, fotos cor, 64 páginas.

Disponíveis para a venda em:

Cerâmica Tukano

Cerâmica Baniwa

Rede Artesol


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Adélia Borges é crítica, historiadora de design e curadora independente. Jornalista formada pela Universidade de São Paulo em 1973, tem textos publicados em sete línguas e é autora ou co-autora de 34 livros. Palestrante frequente, já se apresentou em 22 países. Como curadora, fez exposições em várias instituições do Brasil e do exterior. Desde 2016 é consultora curatorial do MASP Loja. Integra também o Conselho técnico consultivo da Artesol. www.adeliaborges.com