Av. Nove de Julho, 5569 Sala 41
CEP 01407-911
São Paulo - SP
Tel.: 11 3082 8681
institucional@artesol.org.br

Artiz

Shopping JK Iguatemi
- 2° piso
Av. Pres. Juscelino Kubitschek, 2041
São Paulo - SP
CEP 04543-011

Descolonizar a moda é descentralizar o futuro criativo

Nascida em Niterói (RJ), a estilista e stylist Day Molina é descendente do povo Fulni-ô, do sertão de Pernambuco, e tem se destacado no mundo da moda por suas criações e seu ativismo no combate ao racismo e na conquista de espaço para que mais profissionais indígenas possam surgir e projetar seus trabalhos.

Day Molina

22 de Abril de 2024


A memória é um elemento muito forte em minhas criações. Minhas coleções permeiam o campo da pesquisa, das histórias e dos afetos que me trouxeram até aqui. Percebo a nossa urgência humana em busca de nossas raízes ancestrais, mas a ancestralidade é sobre honrar quem veio antes. Não existe ancestralidade sem memória. Meu trabalho reflete sobre a necessidade de decolonizar a moda na prática. Quando busco mais de Pernambuco do que Paris, não há nada mais significativo que isso. Criei um movimento de resistência e vanguarda indígena na moda, onde resgato lugares nostálgicos, tecidos afetivos e histórias reais que me inspiram. Costumo dizer que não consigo separar a ancestralidade da minha vida, porque isso é sobre quem eu sou e não sobre quem escolho ser. Eu posso me tornar muitas coisas, mas indígena é a minha identidade.  

É impossível falar sobre ancestralidade sem visitar o passado e reverenciar os meus antigos. Ninguém se transforma em indígena. A gente pode se tornar médico, estilista, intelectual, artista, arquiteto ou chef de cozinha, mas minha identidade sempre vai ser indígena. Eu diria que a ancestralidade é a primeira roupa que nos veste. Ela carrega códigos sobre quem somos e quem veio antes de nós. Acredito que a minha existência, enquanto artista e criadora, está muito relacionada a isso. Quando me enxergo, percebo também características de minha avó materna que estão impressas em meus traços e personalidade.

Por um longo período, precisei me posicionar e educar de forma estratégica através da moda, uma ferramenta de comunicação visual e não verbal. Fiz desfiles ativistas, adentrei a passarela com mensagens fortes e revolucionárias. Escrevi um novo capítulo da moda brasileira, falando, pela primeira vez, em demarcação de territórios, levando protesto, sensibilidade e poesia através das minhas coleções. Isso começou quando criei a minha marca NALIMO (@oficialnalimo) em 2016. A partir do empreendedorismo, me senti mais fortalecida nessa construção. Isso se intensificou através das redes sociais, onde pensei em conteúdos informativos, educando o público sobre a diversidade indígena e nossas diferentes atuações. Nesse momento, não tínhamos nenhuma outra marca nacional fazendo essa contribuição emergente. Precisei fazer muito mais que moda. Me tornei uma voz conectada com propósitos alinhados com o movimento indígena. Participei de talks, rodas de conversas, consultorias e discussões internas e externas com grandes e pequenas organizações – sempre com foco em construir com pessoas abertas a aprender. Esse processo foi importantíssimo para chegarmos até aqui.

Descolonizar a moda é descentralizar o futuro criativo. É sobre sonhar e inspirar muitos outros a sonharem também e, sobretudo, realizar um movimento de mudança real, que impacta a produção de ponta a ponta. Por isso, a NALIMO tem foco no fomento econômico de grupos de mulheres racializadas, especialmente indígenas. E foi baseada neste pensamento, que criei a tag #descolonizeamoda em 2020. A partir daí, surgiu a ideia do coletivo indígenas moda br, organizando com outros profissionais e ativistas (Zaya, Gustavo Paixão, Elly Queiroz e Eunice Baía). Passaram pelo coletivo vários criativos que tiveram incentivo e apoio no início de negócios que começaram durante a pandemia. Consequentemente, nos tornamos referência, sendo o primeiro coletivo indígena atuando diretamente na moda. Na prática, quando liderei o processo de ativismo no mercado de moda, foi desafiador falar de um assunto profundamente novo para a sociedade. Imagina para um segmento nunca questionado a refletir sobre representatividade de forma profunda e responsável?

Por isso, precisamos de muitas pessoas com poder de decisão dispostas a fazer diferença e promover a diversidade em todos os espaços da moda. Alguns questionamentos nos ajudam a entender por que representatividade importa para todos. Para mim, a discussão nunca foi sobre apenas estar em uma capa de revista, mas promover mudanças de pensamentos e preconceitos sobre pessoas indígenas atuando em todas as perspectivas sociais, porque somos muitos e diversos. Atuamos, inclusive, em diferentes segmentos: na direção criativa, no design, na fotografia, na beleza, na produção, na costura ou como modelos.

Nesse sentido, cabe refletirmos que não é uma única pessoa que representa um movimento tão amplo como este. E não é uma modelo ou um estilista que vai preencher esse espaço, mas muitos outros profissionais que precisam de oportunidades em diferentes frentes de atuação criativa. É essencial, porém, lembrar e honrar quem vem antes e abre espaços para que outros possam caminhar. Penso muito sobre isso, porque é ancestral e genuíno esse respeito por quem chega antes e cria movimentos profundos de transformação.  

Estamos cercados de importantes personalidades que estão promovendo essas mudanças significativas na nossa sociedade. Podemos citar diversos parentes em diferentes áreas e contribuições: Ailton Krenak, na filosofia e literatura, Sônia Guajajara, como liderança política, Katu Mirim na musicalidade, Mirian Kerexu, como médica, Txai Suruí, no ativismo ambiental, Zaya Guarani modelando. Todas essas pessoas não são únicas, mas todas elas têm um legado essencial na construção de um novo imaginário indígena nas relações contemporâneas deste novo mundo. Assim como eu, Dayana Molina, precisei ter coragem de fazer desse ambiente criativo um lugar mais plural e democrático.  Precisamos sonhar sim com novos horizontes de esperança para nós e os nossos. E incentivar a juventude a seguir viva e realizando. Seja em qualquer área que almejam. Para que haja mais oportunidades e mais talentos. Para que possamos ser lembrados naturalmente além do simbólico 19 de abril. Que a nossa existência seja ampla e respeitada 365 dias. E não apenas em um dia. Somos maiores, grandes como a mãe terra, diversos como as cores da natureza, fortes como as raízes que nos antecedem, belos como as matas, fluídos como os rios, profundos como os mares, livres como o vento, extensos como o céu em cima de nossas cabeças, conscientes e conectados para manter nossos pés no mundo e nosso espírito conectados às nossas tradições ancestrais.

Na vida, escolhi ser mais que um sussurro, uma voz que ecoa, um legado que inspira. Quando se nasce indígena é a luta quem nos escolhe. Somos uma ferramenta em movimento de luta, defesa dos nossos direitos e dignidade social. Eu acredito que a ausência indígena em todos os espaços da sociedade precisa ser ressignificada. Precisamos nos sentirmos incomodados com a falta de representatividade em qualquer lugar. A todos aliados da causa indígena, um apelo essencial: comprometam-se com a inquietude em tornar este país cada vez mais fortalecido em nossa cultura, línguas, educação e cosmologia. Precisamos levar conosco diariamente a inquietude e o questionamento: Onde estão as pessoas indígenas nesta empresa, universidade, instituição ou organização? Quantos estão ocupando cargos de lideranças, governança? Nunca mais um Brasil, sem nós. Pindorama é indígena, Abya Yala é indígena. Somos um continente indígena e cheio de diversidade originária nesta terra.  

Dayana Molina é indígena pertencente aos povos fulni-ô e aymará, atuando como pesquisadora, indígena e ativista. Fundou o coletivo Indígenas Moda Br e empreende em sua marca NALIMO. A contribuição da ativista segue uma lógica anticolonial e sustentável na moda. Conheça mais Day Molina através de seu Instagram @molina.ela e sua marca @nalimo_____ www.nalimo.com.br