Ilustradoras e artesãs brasileiras reinventam a renda renascença
Iniciativa para valorizar as técnicas têxteis brasileiras, ÓMANA lança uma coleção de quadros em renda renascença criados a partir do intercâmbio entre jovens ilustradoras e rendeiras de Pernambuco e Paraíba. A ideia da marca é desenvolver produtos que tragam inovação para técnicas e processos artesanais, gerando valor de mercado para o trabalho das artesãs.
Camila Fróis
Com a proposta de valorizar e ressignificar técnicas têxteis artesanais, a ÓMANA surgiu como um laboratório de pesquisa e design focado no desenvolvimento de produtos que misturam tradição e contemporaneidade em peças de decoração. Na prática, a marca aproxima as produções artesanais do design e das artes plásticas, fortalecendo a valorização dos têxteis artesanais brasileiros, suas histórias, territórios e mestras.
O primeiro lançamento da ÓMANA é o Mural Mimoso, composto por uma série de 12 quadros em renda renascença, com representações de pássaros da caatinga, paisagens naturais e mulheres rendeiras. As ilustradoras Ana Matsusaki, Camila do Rosário e Helena Sbeghen assinam as ilustrações exclusivas compostas por diversos pontos da renda, que recebem nomes lúdicos como sianinha, aranha e pipoca, tramados pelas rendeiras coordenadas pelas mestras Jeruza Gomes em Jataúba e Suelene Oliveira em São João do Tigre. “É um projeto que conecta mulheres artesãs e artistas de diferentes contextos culturais e também retrata o universo feminino”, explica a antropóloga e designer Helena Kussik, idealizadora do projeto.
Através de uma releitura contemporânea da técnica, o produto instiga um olhar mais atento para o precioso trabalho das artesãs que vivem entre o Agreste Pernambucano e o Cariri Paraibano, mantendo viva uma tradição secular que chegou ao país na época do Brasil-Colônia. “São milhares de rendeiras que têm visto seu ofício em risco pela falta de acesso ao mercado e a desvalorização da produção artesanal frente à industrialização da moda”, explica Helena. Através da nova linguagem e do resgate de pontos que estavam sendo abandonados pela sua complexidade, a renda ganha sofisticação e delicadeza.
Helena Kussik conta ainda que muitos pontos mais delicados e complexos que faziam parte do repertório das rendeiras estavam sendo abandonados por conta da dificuldade de se vender as peças pelo preço correspondente ao trabalho. As artesãs produdizam peças grandes, que conseguiam vender por um preço muito baixo, portanto preferiam usar pontos mais simples. A ideia agora é produzir peças menores, mas com pontos maiis bonitos e complexos, que elas conseguem vender por um valor que vale a pena. Segundo a mestra Jeruza, a iniciativa da Ómana traz a perspectiva de rendimentos mais justos para as artesãs que fazem parte do seu grupo. “A gente trabalhava muito e não era valorizado. Agora está sendo ótimo, uma maravilha. Nesse trabalho, quanto mais bonito, mais caprichoso, mais delicado o ponto, a gente sabe que a peça é valorizada. A gente trabalhava muito, fazia peça grande, peça pequena, de todo tipo, pra vender aos atravessadores que vinham pra comprar aqui por um baixo preço”, explica.
“Hoje, a gente vê que quanto mais a gente se doar pra mostrar o que a gente sabe, vamos ser reconhecidas. Estamos recebendo um valor justo pelo nosso trabalho”, conta a artesã.
Com esse foco em fomentar economicamente a atividade artesanal e valorizar técnicas importantes para a nossa identidade cultural, a perspectiva da Ómana é desenvolver diferentes coleções e produtos através da conexão entre artesãs, designers, estilistas e arquitetos brasileiros que tenham interesse em técnicas como rendas, bordados, tecelagem, entre outros processos ligados à cultura popular do país.
A ilustradora Ana Matsusaki, que é autora de alguns dos desenhos que integram a primeira coleção da Ómana, conta que para fazer parte do projeto precisou mergulhar em um mundo completamente desconhecido, o universo das técnicas artesanais.
“Tive que abandonar o tempo das máquinas, do automatismo e mergulhar no tempo das aranhas (ponto da renda irlandesa)”.
“Descobri, durante as pesquisas e conversas com a Helena, que a técnica da renda renascença possui algumas limitações físicas. Por exemplo, o lacê, que é a “fitinha” mais grossa na renda, não pode terminar do nada, tem que estar sempre conectada com outros lacês, sejam eles outros contornos do desenho ou a moldura da renda. É quase como ter que desenhar sem nunca tirar o lápis do papel”, relaata Ana.
Apesar do tamanho do desafio, Ana resolveu se conectar com esse conhecimento tão distante do seu repertório e avalia que a experiência foi transformadora.
“Minha cabeça explodiu quando me dei conta de todo o tempo que se leva para se fazer um pedaço da renda, toda a delicadeza, a concentração, a complexidade dos pontos, a habilidade manual, a atenção constante necessária. Quem tem tempo para essa missão na era do Instagram?”
“Os pontos são passados para as meninas e jovens e alguns são tão complexos que quase foram esquecidos. Poucas sabem como fazê-los. É um conhecimento que atravessa várias gerações por meio da oralidade, por meio da presença”, conclui a ilustradora.
Por conta da importância cultural desse conhecimento secular Helena explica que – além do desenvolvimento de produtos – a Ómana também tem a proposta de atuar no registro e difusão dos processos, territórios e histórias das mestras da tecelagem, das rendas e dos bordados, entre outros saberes tradicionais.
Registrar a memória é uma das formas de manter esse patrimônio imaterial traduzido no saber fazer dessas mulheres. “Queremos documentar essas técnicas, compartilhar esse conhecimento com outros profissionais, levar essas histórias e artesãs para as universidades, encontros e fóruns relacionados à nossa cultura imaterial”, vislumbra a idealizadora.
Pensando na importância das história e protagonismo das mestras artesãs, inclusive, a ilustradora Helena Sbeghe resolveu homenageá-las no tema dos seus desenhos. “Desde o começo eu queria trabalhar com algo em torno da mulher, até porque o projeto está todo centrado em mulheres – a idealizadora, as ilustradoras e as rendeiras. A ideia foi retratar essas mulheres num momento de calma, de contemplação. Foi bem interessante todo esse processo de pensar a composição, de imaginar como ficaria rendado, esse desafio de tentar mostrar algo com uma ilustração mais simples, toda de uma cor, trabalhar com textura. Tudo isso foi muito interessante, bem novo pra mim”.
A coleção de quadros de renda renascença está disponível para venda na Artiz, loja social da Artesol.
Onde comprar
Artiz
Loja Física: Shopping JK IGUATEMI
Compra através do WhatsApp: +55 11 97555-2827 ou catalogoartiz.com
Saiba mais
Omana
https://omana.art.br/
Rede Artesol
Camila Fróis
Camila Fróis é jornalista, dedicada a a cobrir pautas da área de cultura popular, meio ambiente e direitos humanos.