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Uziel Paixão faz miniaturas de embarcações e de caminhão de som. Cândido Mendes (Sede). Foto: Acervo Mapearte.

Mapeamento Artesanato do Maranhão: há um universo criativo potente a ser adentrado, reconhecido e fomentado

O mapeamento do artesanato brasileiro se revela como uma ferramenta fundamental para a valorização e o desenvolvimento do setor. Além de promover a documentação do nosso patrimônio cultural, ele facilita a divulgação do trabalho dos artesãos, fortalece a cadeia produtiva, estimula a criação de políticas públicas mais eficazes e fomenta o turismo cultural

Paula Porta

29 de novembro de 2024


 

A extensão do nosso país, os caminhos muitas vezes difíceis e uma crença equivocada de que não há produção artesanal significativa nos interiores profundos têm sido justificativas para nosso atraso em conhecer o que milhares de comunidades e indivíduos produzem artesanalmente no Brasil. Trata-se de uma vasta produção que atende às mais diversas demandas locais, desenvolve soluções, utiliza muitos conhecimentos, mobiliza talentos e habilidades na criação de peças utilitárias, funcionais, decorativas, culturais, religiosas…

Mapear a produção artesanal é alargar nosso conhecimento sobre o país; é importante para dar visibilidade aos artesãos, é importante para favorecer a comercialização e gerar renda regular. É fundamental para a criação de políticas e projetos de fomento eficazes, que apresentem resultado em maior escala e menor tempo.

Mapear significa localizar e registrar onde estão os artesãos, o que produzem, com quais materiais e técnicas, em que quantidade, em quanto tempo. Conhecer bem o que se quer fomentar e valorizar parece óbvio, mas é um esforço que tem sido escasso, tanto nas políticas públicas, como em projetos independentes.  

Djalma Marquês Silva, Mestre dos Bordados. Mirinzal (Sede). Foto: Acervo Mapearte.

A experiência maranhense?

O portal Artesanato do Maranhão é o resultado de um extenso projeto de mapeamento, iniciado em 2017, que já registrou 4.736 artesãos residentes em 1.310 povoados, entre eles aldeias indígenas e comunidades quilombolas. São artesãos que produzem regularmente ou por encomenda. Os números são expressivos: mais de 23 mil produtos, 3.100 materiais e 280 técnicas. Os produtos foram classificados em 59 tipologias que dão conta das características dessa produção.

A equipe de campo percorreu mais de 2 mil povoados, rastreando o território no maior mapeamento já realizado no país. Chegou a lugares de acesso difícil, usando todo tipo de transporte. Enfrentou sol forte, chuvas intensas, lama, areia, atolamentos. Junto aos percalços, no entanto, vieram paisagens incríveis, pessoas encantadoras e muito conhecimento adquirido…

Os resultados são surpreendentes pela presença vasta no território, pela diversidade de produtos e materiais, pelas inúmeras técnicas registradas e, claro, pela quantidade de artesãos. É possível dizer que o artesanato é a expressão cultural mais presente no Maranhão. Provavelmente o mesmo possa ser dito para restante do país. 

Equipe em campo Aldeia Escalvado em Fernando Falcão. Foto: Acervo Mapearte.

O portal

A quantidade de informações e imagens coletadas foi monumental. A forma de disponibilizá-las precisava atender a vários objetivos: dar visibilidade a cada artesão e ao contexto de produção; facilitar o contato; favorecer a comercialização; dar suporte a ações de fomento; preservar um repertório de grande interesse para a pesquisa, com detalhes que remetem a usos, paisagens, atividades produtivas, cultura material, cultura popular…

Após pesquisar sistemas de informações culturais dentro e fora do país, chegamos a uma opção desenvolvida no Brasil, um sistema robusto de busca e cruzamento de informações e passamos ao desafio de adaptá-lo para as necessidades do artesanato. Foram 3 anos entre tratamento de informações, migração e muitas adaptações, incluindo a criação de novas ferramentas e de áreas para conteúdo curatorial.

Aldean Costa e Silva e o choque de marajá. Cajari (Sede). Foto: Acervo Mapearte.

O portal Artesanato do Maranhão contém mais de 77 mil registros, 43 mil imagens, 200 vídeos curtos, mapa dinâmico, gráficos, textos ilustrados e glossário. É muito simples inserir ou alterar informações e imagens, mantendo-o atualizado.

É possível fazer buscas por artesão, produto, material, técnica, tipologia, povoado, cidade, bioma, gênero, tipo de povoado. Também é possível cruzar essas informações para diferentes usos, por exemplo, quais produtos do Bumba Meu Boi são bordados à mão; ou quais municípios produzem artefatos de couro; ou quais artesãos utilizam o linho de buriti… É possível filtrar os artesãos que estão na Amazônia… filtrar comunidades quilombolas… 

Erinalda Praxede Guajajara tece redes no tear vertical. Barra do Corda (Sede). Ana Lícia Santos Carvalho e a rede de trança de carnaúba. Araioses (Jatobá). Fotos: Acervo Mapearte.

Destacar cada artesão e seu território 

Cada artesão tem uma página, com endereço, contato, descrição dos produtos por material, técnica e tempo de produção, além das imagens.

O uso predominante de materiais locais – como cipó (mais de 90 tipos), madeiras (mais de 400), fibras… O tipo de produção voltada para as necessidades cotidianas das comunidades, assim como grande demanda gerada pelas expressões culturais evidenciaram o forte vínculo dos artesãos maranhenses com seu território.

Por isso o contexto da produção também foi destacado, povoados e os municípios também possuem páginas no portal. Ali estão imagens e informações básicas, mas difíceis de encontrar, como as principais características ou a indicação do caminho. Alguns povoados são especializados em certo tipo de artesanato, outros reúnem grande quantidade de artesãos, outros ainda são residência de uma especialista ou de um artista…

Todos eles estão georreferenciados nos mapas disponíveis no portal e muitos não constam em mapas oficiais, nem digitais.

Raimundo Melo e as peneiras de guarimã. Cedral (Sede). Foto: Acervo Mapearte.

Outros conteúdos mais

A partir dos registros o sistema gera gráficos que facilitam a visualização das características do artesanato no estado, em cada município e em cada povoado, o que traz algumas surpresas sobre o perfil da produção nessas diferentes instâncias.

 

Uma área curatorial, disponibiliza textos ilustrados que permitem apresentar informação mais detalhada sobre tipos de produto que têm uma presença expressiva, como armadilhas de pesca, redes de dormir, vassouras… ou aqueles produzidos a partir das abundantes palmeiras da paisagem maranhense… também os produtos singulares, como os carros de boi, miniaturas de embarcação e o exuberante artesanato do Bumba Meu Boi.

Um glossário, também inédito, explica o significado local de 167 termos utilizados pelos artesãos ao falar de seu trabalho. Esse rico vocabulário refere-se a produtos, técnicas, materiais e medidas. Zitinho, coito, medonho, por exemplo, são usados para indicar tamanho. Já a palmeira do babaçu aparece como pindova, pindoba, capoteira, caçoteira, palmiteira, coco manso e coco de macaco. Produtos como choque, urupema, cofo, mensaba, quibane, landruá… que talvez não sejam conhecidos fora do Maranhão, passam a ser.

Todo esse conteúdo evidencia a importância do artesanato em relação aos conhecimentos que carrega, além de sua enorme relevância cultural. 

Homepage do portal Artesanato do Maranhão.

Características que o mapeamento revela 

O mapeamento em larga escala permite uma nova leitura da produção artesanal de cada lugar, em termos das tipologias presentes, do tipo de material, do perfil dos realizadores etc. E a partir disso é preciso repensar as ações de fomento e as prioridades.

O artesanato possui diferentes públicos ou “mercados” consumidores aos quais a produção é dirigida. Há produtos de consumo local, há produtos voltados para venda regional/ interestadual e há produtos voltados para o público visitante ou de outros estados, uma parcela ainda pequena alcança mercado internacional. Todos esses segmentos são relevantes e requerem mecanismos de fomento um pouco distintos.

Outro exemplo de características evidenciadas no mapeamento é a força e diversidade da produção de utilitários, consumida nas localidades e que vem sendo ao longo do tempo uma grande mantenedora do artesanato, ao lado das demandas constantes da cultura popular. Há um universo de criação voltada ao Bumba Meu Boi, à Festa do Divino, ao Reisado, ao Carnaval e outras tantas.

Também evidenciado no mapeamento é o perfil sustentável dessa produção, que está situada principalmente na Amazônia e no Cerrado.

Alfredo Tavares, carpinteiro naval. Cururupu (Sede). Marlene Nunes de Lima, especialista no bordado à máquina. Santa Inês (Sede). Fotos: Acervo Mapearte.

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O mapeamento de artesãos não é apenas um repositório de informações e conhecimento, ele deve ser pensado como parte de uma estratégia para o fortalecimento do artesanato no país.

Ele evidencia a extensão dessa produção, sua relevância social, cultural e ambiental. Ele tira da invisibilidade essa economia verde de pequena escala que envolve milhares de famílias e precisa ser enxergada. O mapeamento é base sólida para ações de fomento mais eficazes, que gerem renda mais significativa e preservem o grande repertório de conhecimentos e tecnologias presentes nas comunidades. É preciso reconhecer a importância do artesanato em todas as suas dimensões.

A experiência maranhense pode ser aproveitada por outros estados e temos o desejo de compartilhar. Com uma metodologia consolidada e um sistema de disponibilização e gerenciamentos de informações totalmente adaptado ao artesanato, hoje é possível realizar o mapeamento de forma muito mais rápida. Mais adiante, será possível também conectar os mapeamentos estaduais em um portal nacional.

Paula Porta é doutora em História Social pela USP, foi assessora especial do Ministro Gilberto Gil, atua na criação e gestão de projetos e políticas culturais, implantou o mapeamento e o portal Artesanato do Maranhão.