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Mestre Nado, o escultor de sons, que já viajaram de Tracunhanhém à França e agora ecoam no Museu de Arte Moderna (MAM) em SP

Patrimônio Vivo de Pernambuco, Agnaldo da Silva (Olinda, PE, 1945), o Mestre Nado, forja esculturas de uma beleza única e original, a partir de inovações constantes no uso engenhoso da cerâmica refratária. Suas famosas obras cantantes já viajaram o mundo e acabaram de desembarcar no “38º Panorama da Arte Brasileira: Mil graus”, no MAM

Laís Domingues

7 de outubro de 2024


 

A presença de Mestre Nado na história da arte de Pernambuco revela o poder da conexão entre a prática, a imaginação criadora e a pesquisa informal motivadas por curiosidade e desejo de multiplicar saberes. Com vasta experiência no manuseio do barro, Mestre Nado desenvolve uma busca incessante no desenvolvimento de instrumentos sonoros com formas orgânicas.

Antes da produção desta reportagem, já conhecia seu trabalho por vídeos e pela mídia, mas estava ansiosa para encontrá-lo para ouvir essas histórias com sua própria versão e sotaque. Fui adentrando em terras olindenses e antes de estacionar o carro na Praça do Jacaré avistei um senhorzinho sentado na beira da praça, observando um menino e uma menina brincarem no chão, imaginei que eram seus netos.

Me dei conta que era Mestre Nado quando observei ao fundo o Instituto em sua homenagem.

Tirei minha filha do carro e me aproximei dos três pensando: Que bom que vamos compartilhar o cuidado durante essa conversa! Me apresentei, sabendo que ele também me esperava e começamos a conversar. Enquanto ele me levava para buscar algumas cadeiras dentro do instituto e já aproveitava para me apresentar o espaço.

Mestre Nado. Foto: Alfeu Tavares / Folha de Pernambuco

Nascido e criado no bairro dos Bultrins, em Olinda, mestre Nado cresceu num veio de barro próximo a avenida Chico Science. Essa informação por si só já enche de poesia o roteiro de vida do mestre. Segundo ele, desde pequeno brincava com o barro e fazia bolinhas ocas, como uma espécie de desafio.

Na verdade, Nado se alimentou do barro ainda no ventre da sua mãe, que saciava a necessidade de ferro e outros nutrientes, mordiscando alguns pedaços de argila quando estava grávida, em 1945. Ao longo da vida, desenvolveu uma original linguagem visual e sonora, a partir de experiências vivenciadas na prática  com o material no seu ateliê em Olinda, uma pesquisa viva que resultou na criação de esculturas musicais.

Foto: Eric Gomes

Sua história profissional começou aos 10 anos de idade, quando trabalhava como ajudante em uma olaria, próxima da casa da sua avó, produzindo peças utilitárias. Aos 16 anos foi para Tracunhaém, cidade da zona da mata pernambucana conhecida por concentrar um número alto de artesãos que trabalham com barro. Lá, viveu por quatro anos, ganhando mais um tanto de experiência e domínio da matéria-prima:  foi catador, batedor de barro, polidor de peças, controlou o forno e se tornou oleiro, produzindo em torno manual até cem quartinhas (jarros de água) por dia.  Com mãos molhadas, ele e seus colegas moldavam o barro, criavam e entoavam canções.

O tempo e o acúmulo de experiências o levou de volta à Olinda, até o ateliê dos consagrados irmãos Brennand, onde, por muitos anos, executou muitas de suas obras e implementou a cerâmica refratária de alta temperatura. “Muitas dessas esculturas de Brennand fui eu quem fiz”, se orgulha o mestre.

Desde essa época, Nado já entendia que, no mundo das artes, muitas vezes existe quem pensa a obra e também quem executa a ideia, mesmo que a assinatura seja do idealizador. Por isso, o anonimato dentro do seu ofício já lhe causava inquietação. Decidiu, então, pedir demissão para criar seu próprio caminho e – por alguns anos – voltou a vender quartinhas, luminárias e objetos utilitários no Alto da Sé, em Olinda, sempre tentando trazer algum diferencial para sua produção.

Após perder tudo em uma grande cheia, o artesão manuseou uma pequena bola e se lembrou das bolinhas ocas que moldava no barro quando era criança e pensou: “e se criar um apito”? Ao fazer alguns orifícios na escultura nascente, produziu uma ocarina, instrumento de sopro circular.

Escultor instrumentista

Ao longo do tempo, com o aprimoramento de sua técnica, Mestre Nado passou a forjar esculturas de uma beleza única e original, a partir do uso engenhoso da cerâmica refratária que era utilizada na oficina Brennand para confecção de pisos. Com este arrojo e diligência Mestre Nado transformou um material cerâmico pouco flexível, considerado inapropriado para modelagem em incríveis peças tridimensionais com formas orgânicas inspiradas na natureza (fogo, terra, água e ar).

A descoberta impulsionou mestre Nado a anos de intensos estudos e experimentações. Entre uma ideia e um sopro nasceu o “Som do barro”, nome que deu ao seu ateliê onde investiga há mais de 20 anos as infinitas possibilidades de criar instrumentos de sopro e percussão a partir do barro, unindo os quatro elementos. Suas histórias revelam um mestre multifacetado, que sente prazer no ofício que escolheu como profissão, faz questão de enxergar poesia em cada passo do processo, porque entende sua importância.

Aprendeu música, revelou-se compositor, tornando as esculturas sonoras a sua identidade artística. Hoje, são mais de 70 instrumentos de sopro e percussão registrados, entre ocarinas, flautas, maracas, raco-raco, bum d’água, adotados em shows de Milton Nascimento, Ney Matogrosso e até em apresentações da Orquestra Sinfônica de São Paulo.  A família mantém o Centro Cultural Som do Barro, que realiza um trabalho educativo com crianças da comunidade olindense de Caixa D’Água e já levou a musicalidade de Nado de Tracunhaém à França.

Foto: Eric Gomes

Em 2024, foi o artista homenageado pela FENEARTE com o espaço chamado o “Som do Barro – A Artesania Musical de Mestre Nado”, onde estavam expostos instrumentos criados pelo mestre, além de fotos, vídeos e uma linha do tempo contando da sua trajetória. Durante a feira, a orquestra do Instituto Mestre Nado também se apresentou, encantando o público do evento.

Nado também foi um dos artistas convidados para o 38º Panorama  do Museu de Arte Moderna – MAM de São Paulo – SP, onde ele apresenta três obras inéditas produzidas especialmente para a mostra. São peças de grande escala — coisa rara na sua produção — que parecem espécies de torres de sopro, remetendo a instrumentos que demandam o emprego do corpo inteiro para ser tocados, como a gaita de foles. Como esculturas, suas formas orgânicas remetem às geometrias espontâneas da natureza, sejam tubérculos ou arquiteturas animais — como as do cupim e do joão-de-barro. Imbuídas de uma vontade totêmica, as obras são construídas por meio da incorporação de diferentes pedaços que, aglomerados, constituem uma estrutura complexa e marcam uma forte presença corpórea.

Partilha dos saberes  

Além de seguir experimentando em uma pesquisa viva muito produtiva, a inquietação de Nado também o leva a buscar o constante compartilhamento dos seus conhecimentos com os mais jovens. Recentemente, ele inaugurou o Instituto Mestre Nado, na conhecida Praça do Jacaré, no bairro do Carmo, em Olinda, que conta com uma olaria com vários tornos. É lá que Sara, uma de suas filhas, facilita oficinas de modelagem para crianças. O espaço foi reconhecido como ponto de cultura pelo Ministério da Cultura e aguarda apoio do governo federal pelo título conquistado. Em nossa conversa, mestre Nado também comentou da carência de apoio por parte do município e governo do estado para manutenção do Instituto, sendo o gerido mantido de forma independente por Nado e seus filhos que seguem o caminho do pai.

Cria, desmancha, estuda, faz de novo, afina, estuda o fogo, estuda o barro e suas misturas, encontra a nota antes de queimar, pensa na retração após a queima, transforma em cerâmica, encontra o ponto.


Mestre Nado é um grande estudioso, cientista do som e das formas, experimenta e arrisca o tempo todo. No meio de tanto faz e desmancha o amor aparece como ferramenta de manutenção da paciência necessária para encontrar o domínio das formas e das notas.

Foto: Eric Gomes

Laís Domingues é arte educadora, artista visual e têxtil e produtora cultural pernambucana. Desenvolve suas pesquisas sobre memória e tramas sociais através da fotografia, do vídeo e da cultura popular desde 2016. É também idealizadora do projeto “Bordando o Feminino”, financiado pelo Funcultura da Secult-PE, através do qual viveu por 5 meses em Passira, no agreste pernambucano, compartilhando saberes e recebendo aulas com mestras do bordado de Passira.