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Moda e artesanato: as relações entre ética e estética que permeiam as aproximações entre dois mundos

Em seu artigo par a Artesol, a comunicadora Carol Berto discute o conceito de apropriação cultural e faz uma análise afiada sobre os limites e as potencialidades que afloram das aproximações de dois universos muito distantes.

Carol Berto

12 de junho de 2025


 

A moda e o artesanato têm um caso antigo.

E como toda relação que se prolonga por gerações, essa aproximação carrega tensões, trocas, admiração mútua mas também muitos silêncios e desigualdades. Quando a moda se encontra com o artesanato, é possível nascer coisa bonita, potente, cheia de ancestralidade. Mas também é possível ver, mais uma vez, a história se repetir: a cultura popular sendo usada como enfeite por quem tem capital e não quer dividir nada além do aplauso.

Essa troca pode ser um caminho de redistribuição simbólica, econômica e narrativa. Mas só se for feita com ética, escuta e parceria de verdade. Moda não é só roupa. Artesanato não é só detalhe. Estamos falando de cultura viva. De identidade. De território.

Caminhos da Reportagem TV Brasil

As potencialidades

A arte popular traz raiz, saber e tempo. E a moda pode ser vitrine, pode ser microfone, pode ser ampliação de alcance. Quando o encontro é justo, o artesanato ganha projeção e circulação, e a moda ganha alma, ganha chão.

1. Das bordadeiras de Alagoas à passarela da Osklen

Em 2016, a Osklen levou o trabalho das bordadeiras da ONG Mulheres de Renda, do Pontal da Barra (AL), para o SPFW. O bordado filé alagoano virou peça de desfile. E nesse caso, diferente de outros, as bordadeiras foram nomeadas, contratadas e remuneradas com royalties. Ainda assim, a crítica permanece: por que o nome do estilista segue sendo o mais lembrado?

2. Burle Marx, os tapeceiros brasileiros e a moda que bebe da arte 

Nos anos 1960 e 70, a moda brasileira já flertava com tapeçarias, bordados e tramas inspiradas nas obras de Burle Marx e outros artistas plásticos. Estilistas e artistas visuais trocavam referências, tentando fazer da moda um campo de experimentação artística e conceitual. Décadas depois, esse diálogo continua mas nem sempre com os devidos créditos.

Burle Marx. Imagem: Blog GT Building

Em 2022, por exemplo, a marca Handred lançou uma coleção inspirada nas obras de grandes tapeceiros brasileiros como Genaro de Carvalho, Jacqueline Burchell, Alda de Souza e Benedicta Calafate. A coleção foi elogiada pela delicadeza e pelo design autoral, mas gerou debate sobre os limites entre homenagem e uso comercial de repertórios artísticos populares. A marca citou suas referências, mas a discussão permanece: qual é o limite entre se inspirar e se apropriar?

Esse exemplo mostra como a arte alimenta a moda com conceito, linguagem e história. Mas também nos lembra que, se não houver redistribuição simbólica e econômica, a relação corre o risco de repetir a velha lógica de extração agora em forma de estampa. 

Imagem do site Ateliê Mão de Mãe

Os limites

O problema começa quando o artesanato é reduzido a ornamento. Quando o trabalho manual é tratado como “toque especial” e não como inteligência ancestral. Quando a estética é exaltada, mas os corpos que produzem são silenciados.

O limite está onde a moda não compartilha poder. Quando estilistas se dizem “inspirados” pela cultura popular, mas não dividem os lucros, os créditos, as oportunidades. Quando a arte vira tendência, mas o artista continua invisível. Isso não é troca. É extração.

A gente conhece esse roteiro desde 1500. Já usaram nosso ouro, nosso corpo, nossa fé e nossa estética como vitrine. Agora querem o bordado, a cerâmica, o grafismo e o trançado. Mas a pergunta segue ecoando: quem lucra com essa beleza toda? 

Artesanato em capim dourado. Foto: Reproducão TV Anhanguera

É possível fazer diferente?

Eu acredito que sim. Quando a aproximação acontece com ética, afeto e estrutura. Quando marcas criam editais para comunidades artesãs, quando contratos são justos, quando há formação técnica, divisão de lucros e visibilidade real. Quando o design é coletivo e o protagonismo é respeitado. 

Moda e artesanato podem se retroalimentar.

 
Mas a chave está na relação. Se for de cima pra baixo, vira exploração. Se for lado a lado, vira revolução.

Yawanawa e Farm Rio collab. Foto: Divulgacão

Stylist, comunicadora, mentora e palestrante, Carol Berto promove reflexões analíticas no mundo da moda e ajuda pessoas fora do padrão a ocuparem espaço com verdade e estratégia através da comunicação e da imagem.

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