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Retrato Corpo e Morada. Foto: Joyce Braga

É possível falar de design de interiores sem falar de afeto?

Para o diretor criativo Belchior Almeida, o propósito essencial do design de interiores é despertar emoções e provocar experiências memoráveis em quem vivencia um espaço

Belchior Almeida

13 de novembro de 2024


 

Do latim affectus, que significa “sentimento”, “emoção”, “inclinação” ou “desejo”, e do verbo afficere, que quer dizer “influenciar”, “impressionar”, “causar um efeito” ou literalmente “algo que toca”. A palavra “afeto” carrega em si uma gama de memórias e desperta imagens instantâneas de momentos, gestos e toques que nos conectam ao campo das emoções que mais nos regulam. No imaginário coletivo, o afeto está sempre ligado a algo íntimo, caloroso, que ampara. É um abrigo invisível, uma força silenciosa que se manifesta através de pequenos atos que vão além das palavras.

Se há algo que traduz afeto de maneira tangível, é o tato – o toque das mãos que afagam, que trabalham em favor do outro, que cuidam. As mãos são, em muitas culturas, o principal veículo da demonstração de afeto. Pelo toque, pelo ato de moldar, acariciar, cozinhar, costurar, trançar ou simplesmente segurar, nossas mãos revelam afetividade pelas coisas e pessoas ao nosso redor. São o instrumento maior que leva tangibilidade à ideia invisível e abstrata do afeto. 

Apê Ipanema 452. Foto: Raiana Medina

Ao compreendermos que o propósito essencial do design de interiores é despertar emoções e provocar experiências memoráveis em quem vivencia um espaço, surge a pergunta: é possível falar de design de interiores sem falar de afeto? E ainda, esse propósito não estaria intrinsecamente conectado ao significado do verbo afficere mencionado no início – tocar, modificar e transformar?

O universo do design e da decoração, para mim, é uma extensão do ato de cuidar. Muito além da estética ou de uma prática visual reprodutora de tendências, o design de interiores é, no jeito como entendo, uma experiência multidisciplinar que envolve o emocional, o filosófico e o sensorial. É uma oportunidade de criar ambientes que reverberam essência. Uma forma única de fazer coabitar o passado, o presente e o futuro de uma pessoa em um mesmo recorte de espaço-tempo. Evocamos o passado através das memórias e histórias que enriquecem o projeto; elevamos o presente, transformando o cotidiano em uma experiência extraordinária de viver; e trazemos o futuro para perto, introduzindo valores que celebram o que somos e, principalmente, o que desejamos nos tornar. É dessa forma, e apenas assim, que um ambiente atinge seu máximo potencial, influenciando ativamente nossas vidas, moldando comportamentos, reenergizando nosso interior e, como comprovado cientificamente, impactando até as nossas respostas hormonais.

Apê Copacabana 39. Foto: Denilson Machado

Arte e artesanato brasileiros: Uma forma de representar afeto no design e na decoração

Se a afetividade é matéria-prima da alma de um lugar, a arte e o artesanato são as expressões tangíveis dessa mesma energia. Carregam o espírito das mãos que os criaram, a história que ecoa de cada cultura e a singularidade de cada região. Um ambiente pensado pelo verdadeiro viés do design de interiores é um convite ao sentir e ao pertencer. Esse pertencimento nos reconecta com nossa ancestralidade, com nossas raízes, histórias e contextos – os mesmos temas revelados no trabalho manual brasileiro. O design que se centra no afeto encontra na arte popular brasileira um elo poderoso entre quem somos e de onde viemos. Não há conexão mais afetiva do que aquela que nos une ao que e a quem nos forma.

A arte popular e o artesanato brasileiros transcendem o estilo e ultrapassam modismos e tendências. Representam uma essência atemporal enraizada numa autenticidade que só a autoconsciência identitária pode produzir. A arte popular brasileira incorpora uma vastidão de significados que ressoa em qualquer ambiente, seja ele rústico, minimalista, maximalista ou contemporâneo. Essa versatilidade nasce da diversidade de técnicas, matérias-primas e saberes populares que atravessam gerações. Cada região traz consigo uma riqueza de técnicas e materiais naturais que resultam em peças eternizadas na passagem do tempo. É essa riqueza que faz com que o artesanato brasileiro possa preencher qualquer espaço com autenticidade. Alguma peça de alguma região, sempre há de ressoar.

Cozinha. Foto: Larissa Noé

Da consciência ao projeto de interiores

Partindo da premissa de que a arte popular brasileira é capaz de se integrar a qualquer ambiente e estilo, é certo que, na minha prática diária, esses elementos estarão invariavelmente presentes. A sensorialização afetiva com que concebo os espaços para as pessoas viverem dialoga intensamente com a produção artesanal brasileira, em suas mais variadas expressões. É essa ideia irrevogável que guia meu processo criativo e me leva a uma pesquisa curatorial cuidadosa, pensada para identificar, junto ao morador, quais peças de arte e artesanato melhor comunicam com a atmosfera imersiva que estou construindo para aquele espaço.

Meu trabalho carrega a responsabilidade de conduzir as pessoas à valorização do que é feito pelo e para o nosso povo. A partir desse entendimento, conecto a individualidade de cada morador com o universo simbólico e afetivo que o artesanato brasileiro representa, transformando o ambiente em um reflexo genuíno da cultura e da identidade de quem vive ali.

Acervo. Foto: Lilia Mendel | Hall e Cozinha. Foto: Belchior Almeida

Se ainda restar alguma dúvida sobre o valor do artesanato e da arte brasileira como expressões afetivas no design, apresento aqui o meu último e mais intenso argumento: eu escolho para minha vida aquilo que acredito existir de melhor no mundo. Abro assim as portas da minha casa como prova viva de um lugar que é único, afetuoso, aconchegante e autêntico do jeito que só uma casa verdadeiramente brasileira sabe ser. Minha casa é a materialização do que defendo: um espaço onde a arte e o artesanato brasileiros não são meros adornos, mas a própria essência afetiva que dá vida ao lar.

Belchior com escultura de Manu Almeida. Foto: Larissa Noé

Belchior Almeida (influenciador no @cantosdebelchior) é especialista em design de interiores e decoração com foco na resposta psíquica e emocional das pessoas aos ambientes. Diretor Criativo no escritório Prezado Nexo Arquitetura, assina a atmosfera imersiva e sensorial de diversos projetos residenciais e comerciais além de criar cenários para editoriais e produções.