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O oráculo das árvores e a reinvenção do bordado

Camila Fróis

Por Camila Fróis/Redação Artesol


Clarice Borian é uma daquelas típicas artistas que gosta de inventar moda. Formada em antropologia e administração de empresas, ela já criou uma marca de roupas inspiradas na fauna brasileira, já desenhou coleções de bichos imaginários e confeccionou sapatos poéticos. Em todas suas criações autorais, sempre mistura arte, design, tradição e alguma forma de provocação.

A última moda que ela inventou é bordar a cidade. Para isso, Clarice coleta folhas secas pelo caminho e usa como tela para desenhar delicadezas e palavras potentes com linhas coloridas, trazendo uma abordagem contemporânea e um novo sentido pra uma técnica tão tradicional como o bordado. A ação afirma a tradição, incorporando-a, atualizando-a e subvertendo sua função. Depois de prontas, as folhas são penduradas pela rua em árvores que ela transforma em uma espécie de instalação ao ar livre, ou mesmo em jovens mudas que a própria artista ajuda a plantar junto a coletivos ambientalistas.

“Existem diversos grupos que fazem um trabalho muito interessante para melhorar o padrão de verde da cidade de São Paulo, como o “floresta de bolso” e o “novas árvores por aí” e o pessoal das hortas, que reúnem voluntários para plantar árvores em praças, ruas e hortas comunitárias”, explica Clarice. “A minha contribuição, na verdade, é trazer poesia pra essas intervenções e estimular um olhar diferente para as folhas secas. Muita gente corta árvore na cidade porque se incomoda com as folhas caídas”, complementa a artista-bordadeira. Na verdade, as folhas secas são muito importantes para o ambiente mesmo depois de mortas, porque quando entram em processo de decomposição, elas atraem microrganismos que as transformam em adubo, nutrindo a árvore, conforme lembra Borian.

O bordado contemporâneo e a poesia urbana

A ideia das folhas bordadas surgiu durante a forte seca que acometeu a cidade de São Paulo no ano de 2014. Com a falta de água, as folhas caíam em grande quantidade pela rua. “Tínhamos que economizar água, não podia mais molhar as plantas. Começaram a cair muitas folhas, então comecei a bordar a palavra“Gratidão”nas folhas secas e pendurar nas árvores novamente. Era o meu jeito de dizer às árvores que eu sentia muito por tudo que estava acontecendo”, conta Clarice que começou, de alguma forma, a dar vida novamente ás folhas mortas.

“As palavras que bordo são palavras que nos fazem sentir, pensar, refletir. Tem horas que uma palavra diz muito. Às vezes, a palavra cura, às vezes desestabiliza. A palavra pode ser uma coisa pesada e pode também ser transformadora”

Hoje, sua proposta é estimular uma visão mais ampla e sensível para a natureza urbana, já que o Brasil tem um patrimônio arbóreo muito rico mas que, na sua visão, é muito mal cuidado. A gente não dá valor, talvez até por ter nascido em um país com tanto verde, a gente enche de cimento as raízes das árvores, a gente mutila os galhos ao invés de podar. E o manejo feito pelas companhias elétricas é totalmente inadequado. Não valorizamos o que temos. E uma pessoa adulta precisa de ter, no mínimo, 10 árvores pra manter a qualidade do ar e a quantidade de chuva que precisa. A árvore minimiza o barulho, ela ameniza a temperatura, melhora a qualidade visual da cidade, sem contar o quanto de seres vivos que dependem dela”, desabafa Clarice.

Depois da seca, as palavras foram se diversificando, materializando o desejo da artista para a cidade e para as pessoas. Foi daí que surgiu a ideia do “Oráculo das árvores”. Durante oficinas oferecidas pela artista, ela convida outras pessoas a bordar palavras nas folhas e colocar nas árvores. As pessoas escolhem num cardápio de palavras poéticas qual elas querem ver abundante na sua vida e no mundo. Escolhem uma folha e uma cor de linha e é orientada para bordar. Essa folha/palavra é colocada na árvore, como uma semente, com a intenção de ver essa qualidade reverberando no mundo. “São palavras que nos fazem sentir, pensar, refletir. Tem horas que uma palavra diz muito. Às vezes, a palavra cura, às vezes desestabiliza. A palavra pode ser uma coisa pesada e pode também ser transformadora”, explica Clarice.

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Camila Fróis é jornalista, dedicada a a cobrir pautas da área de cultura popular, meio ambiente e direitos humanos.