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Oleiras do Candeal: Um retrato da sororidade cultivada pelo barro

Pesquisadora inquieta sobre a cerâmica brasileira, Alice Bombari viajou até a  comunidade onde foi desenvolvido um projeto piloto do Programa Artesanato Solidário no início dos anos 90. Lá, ela encontrou um coletivo de mulheres fortalecidas, unidas e dispostas a partilhar saberes sobre essa ciência do transformar o barro e a própria vida com persistência 

Alice Bombardi

25 de outubro de 2024


 

Oleiras do Candeal é um grupo de mulheres de Cônego Marinho (MG), que trabalham o barro em sua essência emolduradas pela paisagem do sertão mineiro. Remanescentes quilombolas, elas desenvolvem todas as peças como aprenderam com suas mães e avós: da coleta do barro, à queima e pintura, todo processo é manual e enche o grupo de orgulho.

No início dos anos 90, o antropólogo Ricardo Lima foi convidado a desenvolver junto às Oleiras do Candeal um projeto piloto de uma audaciosa iniciativa de Ruth Cardoso com foco na valorização de artesãos brasileiros, na época castigados pela seca no semiárido do país.

“Eu lembro da primeira vez em que estive na comunidade. Para chegar era uma picada, não existia estrada, mas a gente chegou lá e o local me impressionou demais, porque era muito árido, uma região de transição do cerrado pra caatinga que estava passando um período de seca enorme. Os fogões à lenha já não eram acesos há três dias, porque não tinha o que comer”, conta Ricardo Lima.

O pesquisador explica que muita coisa mudou desde então. “Eu voltei lá neste ano e reencontrei algumas daquelas mulheres produzindo no galpão que elas construíram com o apoio do Artesanato Solidário. Tinham muitas mulheres jovens também produzindo, gerando renda com esse trabalho. E isso me deixa assim numa felicidade extrema, saber o quanto o artesanato solidário foi importante na vida daquelas pessoas eles reconhecem isso. Eles são extremamente gratas porque a vida delas alavancou”. 

Suas pesquisas acadêmicas no povoado Candeal não só serviram de piloto para uma metodologia inovadora da Artesol, mas também deram origem ao livro que instigou a viagem de Alice para o povoado.

Cerca de 30 anos depois da primeira imersão de Ricardo, Alice refez seus caminhos e  encontrou uma comunidade resiliente, que cresceu e se desenvolveu sustentada pelos seus saberes tradicionais, compartilhados generosamente com as mulheres mais jovens e com os viajantes. Confira, a seguir, trechos do artigo elaborado a partir de vivência de produção da cerâmica junto às Oleiras do Candeal, no âmbito de sua pesquisa acadêmica no Instituto de Artes da UNESP.

Foto: Mariana Cabral (2023)

Experiências passadas de mãos em mãos

Ao contar como cheguei a ter conhecimento sobre o Povo do Candeal e consequentemente ter uma vivência com as oleiras, pode parecer para alguns uma mera coincidência e para outros um destino traçado e modelado.

Em fevereiro de 2023, no SESC CPF em São Paulo, teve o curso Ciclo: Visões, Movimentos e Mudanças em Educação com abordagens e presença do professor José Pacheco, um dos fundadores da Escola da Ponte em Portugal. O assunto central tratado nos encontros foi a respeito de comunidades de aprendizagem como um futuro mais frutífero da educação, que rompe com a instituição escola tradicional e envolve todos da comunidade para contribuir na formação libertadora a partir de uma experiência significativa de trocas de saberes e reconhecimento das responsabilidades e da potência de cada um.

Estando presente pela primeira vez naquela instituição cultural de formação e que possui uma biblioteca selecionada sobre pesquisas, fui à procura de referências que estivessem ali sobre outros saberes e áreas que me interessam além da educação, como a cerâmica. Encontrei apenas um livro que esbarra na cerâmica, sendo ele O Povo do Candeal: Caminhos da Louça de Barro do Ricardo Gomes Lima. Um livro com uma bela capa de uma moça com expressão séria transportando água sobre a cabeça em uma botija feita de barro. Esse pesquisador trombou com as belas peças de cerâmica durante sua passagem para pesquisar cachaças no mercado de Januária em MG, e ali mudou o rumo de sua pesquisa e interesse na região. A leitura do livro e as imagens contidas nele são de encantar aqueles que o folheiam entre as mãos.

Foto: Alice Bombardi (2023)

Os meses se passaram, os estudos cerâmicos e a educação sempre estiveram lado a lado, tanto na oficina de cerâmica ministrada durante a Residência Pedagógica da CAPES no Instituto de Artes da UNESP, quanto na pesquisa artística pessoal sobre a relação do barro como mediador de encontros. Chegando as férias de julho de 2023, fui convidada para uma viagem em família para conhecer o Norte de Minas Gerais, passando por Diamantina, seguindo para Januária e conhecendo as pinturas rupestres nas cavernas do Peruaçu. Ao saber da programação traçada, principalmente sobre a passagem em Januária, imediatamente me recordei da leitura sobre o Povo do Candeal e do meu interesse por adquirir uma peça. Logo a ida ao mercado municipal na cidade tornou-se parte do roteiro.

Para a nossa surpresa, durante o caminho da viagem soubemos através de amigos que visitaram a mesma região neste ano, que o Povo do Candeal formou um coletivo de mulheres nomeadas como as Oleiras do Candeal e que estavam recebendo visitas com uma vivência imersiva, sendo uma outra fonte de renda além das vendas das peças, chamada O Barro em Transformação: Vivências de Processos e Oficinas Culturais, sendo divulgado através do Instragram @oleirasdocandeal. Além disso, ao passar rapidamente em Januária e depois no Peruaçu encontrávamos com as peças das Oleiras por quase todos os lugares: nas vendas, nas lojas, na pousada e na recepção do parque. Durante nossa estadia na pousada em Peruaçu passaram-nos o contato de uma das Oleiras para agendar a visita, já que não havíamos tido retorno delas pelas redes sociais e ficaríamos pouco tempo na região. Por fim, o agendamento deu certo através do WhatsApp da oleira Magna. Para se somar a quantia de informações sobre as Oleiras que recebemos antes mesmo de conhecê-las pessoalmente, na pousada onde estávamos, havia uma revista chamada Manzuá edição n.4 com um artigo sobre as oleiras que estimulou ainda mais a nossa empolgação para a vivência.

A seguir estão as anotações do diário de bordo escrito após a experiência vivida de um dia do Barro em Transformação, intercaladas com registros fotográficos.

Seriam os que se dedicaram à cerâmica os primeiros artífices? Artífices para dizer artista e, ao mesmo tempo, praticante manual do ofício, idealizador e executor. “Fazer à mão” é a indicação de uma antiga e inextinguível relação entre a matéria e o talento.

(BARDI, 1980, p.11)

Foto: Alice Bombardi (2023)

24 Julho 2023 – Vivência com as Oleiras do Candeal

8h: Chegança 

Cafézinho, conhecemos a sede e a loja com as peças. As ceramistas se apresentaram e compartilharam como seria feita a vivência em etapas (café, coleta de argila no barranco, quebra dos blocos de argila, processo de limpeza e mistura das diferentes argilas, hidratação seguida de sova, modelagem, apresentação dos fornos e encerramento com almoço)

9h: Primeiro Momento Coleta 

Com 2 baldes e alguns panos para apoiar os baldes quando estivessem cheios passamos pela comunidade e entramos numa propriedade privada que antigamente arrendava a terra para a antiga olaria (telhas e tijolos eram feitos pelos homens da comunidade), essa passagem é necessária para acessar a terra que possui as argilas.

Foto: Mariana Cabral (2023)

Durante o caminhar as oleiras contaram a relação dificultosa com o dono da propriedade por onde elas precisam passar. Mesmo com mediação de órgãos públicos existe um atrito entre eles. O proprietário daquela terra, por exemplo, não permite a passagem de carro para a coleta, restando às oleiras irem com um balde sobre a cabeça para coletar o barro.

Passamos pela propriedade, elas mostraram o primeiro barranco onde fazem extração do barro que possui uma coloração amarela, aparentemente oxidada, que segundo elas ficará na cor vermelha após a queima, suponho que seja devido a presença de óxido de ferro na composição da terra. Mais para frente há o segundo barranco onde extraem um barro acinzentado que depois de queimado fica num tom preto esbranquiçado. Segundo elas, esse barro é mais frágil durante a queima, mas para obterem o tom rosado da peça final, misturam partes da terra coletada dos dois barrancos para compor a massa e ser modelada. Há ainda a existência de um terceiro barranco, no qual não fomos durante a vivência, por ser muito mais distante, esse local que citaram é onde extraem um barro que fica branco após a queima e é mais usado para decoração das peças, ou seja, para fazer o engobe mais do que como massa para modelagem. Aliás, elas não usam o termo engobe, ao invés desta nomeação que comumente utilizamos na cerâmica em São Paulo, elas chamam de Toá ou Tauá.

Durante a extração do barro, foi muito bonito compreender como reconhecer e retirar a terra correta. Propusemos de nós mesmo extrairmos sob a supervisão e orientação da oleira 

Foto: Mariana Cabral (2023)

Maguinha, que no início ficou relutante nos informando que era muito esforço, queria nos poupar, que o intuito era apenas demonstrar como elas fazem nessa etapa e não os visitantes exercerem essa parte do trabalho. Insistimos em meio às risadas que gostaríamos de colocar a mão na massa e que tínhamos a intenção de participar de todo o processo, por fim aceitou. Enchemos os dois baldes que tínhamos conosco, sendo cada um preenchidos com um barranco diferente.

Segundo elas, a coleta em cada barranco não é à toa, ops!, não é por acaso! Como relatado anteriormente, elas precisam misturar um pouco de cada barro para chegar no tom rosado desejado. Logo, existe uma forma própria de temperar o barro.

Durante o retorno, elas relatam que o único barro que não é colhido por elas, é o que utilizam para produzir as panelas de barro, pois o barro que extraem nas proximidades não possui a qualidade de ir direto ao fogo após a queima, podendo estourar. Por isso, recebem o barro próprio para confeccionar panelas pela prefeitura. Apesar do barro que recebem de doação não precisar ser temperado* por já possuir as características necessárias para aguentar a chama direta, não está pronto, pois chega em estado bruto e seco, ou seja, ainda precisa ser triturado, peneirado e hidratado para só assim conseguirem modelar a panela.

*Termo utilizado para tratar da preparação do barro para cerâmica, aprimorando sua composição e qualidade.

Colagem: diferentes argilas coletadas com os visitantes e as sábias oleiras 

Foto: Alice Bombardi e Mariana Cabral (2023)

10h: Segundo Momento Preparação da Massa 

Retornamos à associação e fomos para a parte de preparação da massa. Despejamos o barro seco no chão para iniciar a quebra com uma mão de pilão em madeira. Após a quebra, passamos o pó na peneira para garantir o tamanho dos grãos e tirar resíduos como galhos e pedras. Fizemos esse processo com cada tipo de barro. Tendo os dois em formato de pó e peneirados, misturamos as partes, sendo a receita do tempero 1 balde do barro amarelo para 2 baldes do barro acinzentado.

Seguimos para a mistura e formação da massa, iniciamos o processo de hidratação despejando água como se estivéssemos fazendo uma massa de pão. A ação de sovar o barro é muito similar a de fazer pão, vai se adicionando aos poucos a água no pó até ir formando a massa, quando ela desgruda da mão, tem-se uma massa uniforme. Com a massa quase pronta, finalizamos a sova sobre uma mesa de madeira até chegar na umidade e textura uniformes deixando o barro pronto para a modelagem.

Início da hidratação da argila para formar a massa antes do processo de sovar 

Foto: Mariana Cabral (2023)

10h30: Terceiro Momento Modelagem 

Maria Benita, oleira mais experiente presente no dia, iniciou subindo sua peça com primor com a técnica do belisco, depois adicionou mais massa por meio de acordelados quando necessário. Durante a demonstração de modelagem nos convidou a modelar junto e apresentou suas ferramentas: pedaços ovais de cabaças para alisar e dar o formato mais arredondado nas partes internas, lasquinhas achatadas e finas de madeira para cortar as bordas da peça, um pedaço de jeans para passar úmido dando o acabamento nas bordas após o corte, lâminas de faca e sementes.

Após a demonstração de modelagem, cada um trabalhou da forma que quis. Finalizada a modelagem das peças, deixamos secar um pouco ao vento antes de reservar embaixo de um saco plástico para a secagem lenta antes da queima que não seria naquele dia.

11h40: Quarto Momento Acabamento Final 

Após colocarmos as peças para secar, tivemos a demonstração dos tipos de acabamentos em três diferentes estágios. A oleira Maria Benita — senhora mais velha e sábia a respeito dos saberes cerâmicos, responsável por passar para as outras o conhecimento adquirido da geração anterior — demonstrou como ela faz, em uma peça em ponto de couro, o primeiro acabamento retirando o excesso de barro e finalizando o pé da peça, tudo isso com apenas uma lâmina de faca (Fig. 3).

O segundo acabamento foi demonstrado pela oleira Sabrina Alves que alisou a peça com muito cuidado com uma semente chamada olho de boi, usada para fazer o polimento, elas nomeiam essa semente como “alisador”.

Após a peça da Maria Benita ser finalizada, ela a passou para as nossas mãos para experimentarmos como usar o alisador e dar brilho à peça, assim como Sabrina estava fazendo, foi muito bonito o ato dela de passar a sua própria peça para as mãos dos visitantes, sem medo de estragarmos e sem ter ciúmes durante o processo de finalização.

Demonstração dos tipos de acabamentos nas peças antes da etapa da decoração  

Foto: Alice Bombardi (2023)

A terceira e última etapa de acabamento, foi demonstrada pela oleira “Maguinha” (Magna), com sua peça que já tinha sido polida e estava pronta para receber a decoração com o toá (engobe). Ela se utilizou de um pedacinho de madeira flexível como pincel para fazer os traços bem finos e circulares, já na borda da peça pintou com os próprios dedos.

Eu perguntei como é feito o toá, a oleira Layane, ao lado de nós com uma peça queimada das mesmas cores da peça que estava sendo feita pela oleira Magna, para ilustrar a diferença das tonalidades após o processo de queima (Fig. 4), explicou como ele é feito. Disse que vem normalmente da terra do terceiro barranco que fica muito mais distante e que não havíamos visitado. Elas quebram esse barro, passam-no pela peneira mais fina, depois colocam água e o cozinham (mas não me recordo com tanta certeza, infelizmente precisaria participar desse processo e não foi possível, necessitaria de mais visitas para aprender o preparo do toá).

Esse momento da decoração é a cereja do bolo, é o instante em que cada uma deixa a sua marca com seus padrões de desenhos, praticamente cada grafismo identifica quem é a oleira que confeccionou a peça. Tanta é a importância dos traçados delas, que na parede da associação existe uma faixa registrando o desenho de cada uma existe— e se assemelha, aliás, a ideia das pinturas rupestres da região. Quando elas desenham na peça há uma assinatura de si sobre o corpo cerâmico.

Demonstração da decoração na peça com toá  

Foto: Mariana Cabral (2023)

12h30: Quinto Momento Almoço Comunitário Melhor Refeição e Companhia de MG 

Os fornos da associação foram apresentados após o almoço, já que tivemos uma manhã intensa de muito trabalho e aprendizado. Cada oleira levou um prato de comida para compor o almoço coletivo comunitário, que foi servido em panelas e pratos de barro confeccionados por elas mesmas. Sem dúvida foi a comida mais saborosa e com alma de toda minha viagem em Minas Gerais deste ano.

Durante o almoço tivemos uma partilha das histórias e vivências de cada uma, no meio do contar perguntei sobre as queimas e elas disseram que cada uma possui um pequeno forno a lenha em casa, já que para fazer queimas coletivas na associação precisam de muitas peças e nem sempre dá para aguardar tanto tempo para queimar quando estão com poucas peças. Sendo assim, com a ansiedade para ver as peças queimadas, preferem às vezes queimar nas próprias casas, isso em meio a outras atividades cotidianas. Fiquei impressionada, compartilhei com elas sobre a minha experiência de queimar em um forno a lenha. Disse que achei muito trabalhoso e só fora possível graças a ajuda de muitas pessoas. Realmente é preciso de muito domínio para fazer uma queima e outras atividades ao mesmo tempo. Elas ainda compartilham que o pai de uma das oleiras que constrói os fornos, quase como se fosse um saber que cabe a ele que criou um modelo compacto de forno. Fiquei com muita vontade de conhecer pessoalmente os fornos em suas casas, mas devido ao pouco tempo ficará para uma próxima visita.

Foto: Mariana Cabral (2023)

Ainda durante o almoço, partilham as histórias sobre o espaço da associação, de como foi fundado o centro que reuniu as oleiras num só lugar, e que aprimorou a autonomia delas com um ambiente próprio para o trabalho. Segundo elas, aquele lugar foi feito “graças aos anjos” como o antropólogo Ricardo Gomes Lima. Com o impacto da sua pesquisa e consequente livro publicado, e atualmente da ONG do Instituto Pequi do Cerrado que além de buscar melhorias na saúde e educação da comunidade, tem feito um trabalho de formação com as oleiras para ministrarem oficinas e receberem por isso. Atualmente, a ONG está construindo uma casa à modo antiga da arquitetura da própria comunidade, dentro da associação, para receber pessoas de tal forma que possam pousar por ali, ter uma vivência mais longa com as oleiras e participar dos projetos da ONG.

Após o almoço elas nos mostram a lojinha da associação, que consiste de uma pequena sala com prateleiras recheadas das belas cerâmicas confeccionadas por elas, cada oleira tem uma parte das prateleiras com suas peças. Elas nos contaram sobre uma grande encomenda que receberam e que exigia simetria no tamanho e na cor de todas as peças. Layane disse que foi a primeira vez que teve de pesar argila e usar uma trena para medir o tamanho dos copinhos, nesse caso houve muita colaboração por parte das outras oleiras da associação, um exemplo de sororidade. Quando recebem esse tipo de pedido elas sempre reforçam que na produção delas é difícil adquirir um padrão, mas mesmo assim solicitam.

O fazer artesanal é responsável pela irregularidade que as telhas apresentam após cozidas. E a condição que as torna especiais, o fato de serem artesanais, peças únicas, modeladas uma a uma, é também o fator de sua desqualificação, o que se reflete no baixo valor de mercado quando comparado ao preço do similar industrializado, feito numa indústria cerâmica de Januária. 

(LIMA, 2012, p. 173)

Comentaram também sobre a perda de peças durante as queimas, que é um problema recorrente, principalmente quando recebem encomendas.

Na frente da loja, há dois grandes fornos a lenha que não são usados pois o modo como foram construídos exigem muita lenha, dificultando o uso no dia a dia. Esses dois fornos foram feitos durante a construção da associação, na qual aparentemente faltou algum especialista em cerâmica para contribuir nesse sentido. Então, esses dois fornos guardam caixas e papéis para embalar as peças vendidas. O terceiro forno da associação é menorzinho e foi construído pelo pai de uma das oleiras. Nele elas fazem as queimas coletivas da associação, mas normalmente a queima das peças têm ocorrido nos fornos de suas casas, ainda menores e mais rápidos.

Na loja adquirimos belas peças, que foram bem embaladas para chegarem inteiras em São Paulo. A despedida foi um momento difícil, após uma manhã intensa de muito aprendizado, sentia como se tivéssemos passado uma semana com as oleiras. Por fim, prometemos que retornaríamos trocamos nossas redes sociais para mantermos contato.

Registro de todos os presentes. Edileia Lopes de Oliveira, Marina Pinheiro Lisboa, Sabrina Alves Pinheiro, Mariana Cabral, Pedro Meurer, Magna Francisca da Silva, Layane Farias Almeida, Maria Inez Durães Silva, Maria Benita Pinheiro e Alice Bombardi.

Registro final antes da despedida com um “até logo!”

Foto: Alice Bombardi (2023)

Aprendizados

A experiência vivida foi muito diferente do que imaginei após a leitura da Oleira Ciumenta sendo imaginada como o seguinte trecho:

Quando aprende a fazer cerâmica, a criança imita o instrutor tão rigorosamente que sua obra apresentará as mesmas características (…) Jovem ou velho, o ceramista deve o seu estilo e sua técnica à família em que vive”. Assim, “o conhecimento das técnicas cerâmicas é considerado um assunto privado. Só se fala dele em família.

(STRAUSS, 1985, p. 223 e 224) 

As Oleiras do Candeal são o oposto e concordo com a descrição sobre elas presente no artigo da revista Manzuá (2023) “A olaria reúne a dureza e a beleza de um trabalho cotidiano que as mulheres compartilham com generosidade, acolhimento, força e persistência.” Aprendemos reconhecendo e valorizando os saberes nacionais ao nos propor o deslocamento para aprender a partir da experiência em si.

[…]o sujeito da experiência se define não por sua atividade, mas por sua passividade, por sua receptividade, por sua disponibilidade, por sua abertura. Trata-se, porém, de uma passividade anterior à oposição entre ativo e passivo, de uma passividade feita de paixão, de padecimento, de paciência, de atenção, como uma receptividade primeira, como uma disponibilidade fundamental, como uma abertura essencial.

(LARROSA, 2002, p. 24 e 25)

Elas se encontram todos os dias para produzir juntas, um encontro marcado para confeccionar peças juntas e ouvir umas às outras durante o trabalho, um lugar seguro para compartilhar sobre seus sentimentos e com o apoio para produzir as grandes encomendas e partilhar conhecimentos que adquiriram por meio da experiência, uma verdadeira comunidade de aprendizagem.

Vale ressaltar a importância das vivências práticas para o aprendizado e para a passagem de conhecimento ancestral e acadêmico. A relação entre esses dois campos se faz necessária tanto para resistência quanto para o fortalecimento do conhecimento nacional gerando impactos positivos para ambos, como é o caso das Oleiras do Candeal que receberam melhorias na comunidade após o reconhecimento e apoio de pesquisadores, transformando assim aqueles que as encontram e tendo suas realidades transformadas.

É experiência aquilo que “nos passa”, ou que nos toca, ou que nos acontece, e ao nos passar nos forma e nos transforma. Somente o sujeito da experiência está, portanto, aberto à sua própria transformação.

(LARROSA, 2002, p. 25 e 26) 

Referências bibliográficas

BARDI, P. M. Arte da cerâmica no Brasil. São Paulo: Banco Sudameris Brasil, 1980.

BERTELLI, Marcela. Cada pote é a continuidade de vida. Manzuá, Minas Gerais, n.4, p. -, 2023. Versão online acesso em 31 de agosto de 2023 Disponível: https://manzua.eco.br/revista/cada-pote-e-a-continuidade-da-vida/

LARROSA, Jorge Bondía. Notas sobre a experiência e o saber de experiência. Revista Brasileira de Educação. N°19. Página 20 à 28. 2002

LÉVI-STRAUSS, C. A Oleira Ciumenta. São Paulo: Editora Brasiliense, S.A, 1985.

LIMA, Ricardo Gomes. O Povo do Candeal: Caminhos da Louça de Barro. Local de Edição: Aeroplano, 2012 

O texto da Alice Bombardi foi publicado no anais do evento I Simpósio Amó UNESP FAAC Bauru em 2023.

BOMBARDI, Alice Roger. OLEIRAS DO CANDEAL – UM RETRATO DA SORORIDADE CULTIVADA PELO BARRO. In: anais do I Simpósio Amò Ancestralidade, Cerâmica, Corporeidades, Arte Educação e Decoloniadade – Bauru: UNESP/FAAC/Departamento de Artes e Representação Gráfica, 2023, p. 106 – 48. Disponível em: http://IBSN:978-65-88287-18-7. Acesso em: 25 de abril de 2024. <https://linktr.ee/simposioamo?fbclid=PAZXh0bgNhZW0CMTEAAaYN3dRVE_6U5AGMFVD_8H_XHsMpQ0HkqkxSo0myeHAxB2YdZso6rvhfxo0_aem_9pEfivAtTSpTtRNVnhxhBQ>

Alice Bombardi é uma arte educadora apaixonada e mestranda em Artes no Instituto de Artes da UNESP, sob a orientação da Profa. Dra. Priscila Leonel. Seu universo criativo é vasto e diversificado, refletindo uma rica experiência em mediação cultural, oficinas práticas, assistências artísticas, além de uma constante busca por pesquisa e criação de conteúdos que celebram a arte. Atualmente, tem focando em pesquisar a cerâmica que tenha a presença de uma artesania pungente e que carreguem rastros de queimas alternativas como lenha, raku e outras.

Compartilha sua trajetória artística no Instagram @alice.bombardi e @gabinetedeimagens