
Pesquisa Artesol | Uma visão sobre o artesanato brasileiro, um universo em transformação
Pesquisa Artesol revela desafios dos artesãos brasileiros, como altos custos logísticos e impactos das mudanças climáticas nos territórios onde atuam; aspirações incluem melhor reconhecimento, remuneração e acesso a tecnologias de comunicação.

Ana Clara Melo
6 de junho de 2025
O artesanato brasileiro é uma manifestação com raízes em distintas expressões, identidades e tradições. A produção artesanal atual, se reinventa e se renova todos os dias, inspirando-se nas manifestações da cultura popular e em diálogos com o design, a moda, as artes plásticas e diversos movimentos culturais e estéticos contemporâneos. Sendo produzido tanto em áreas rurais, pólos criativos urbanos e territórios tradicionais, como reservas extrativistas, comunidades quilombolas e aldeias indígenas, ele reflete as múltiplas realidades do país e as particularidades de cada um de seus “Brasis”.

Por isso, a Artesol, organização que nasceu há 27 anos para valorizar os artesãos brasileiros, acredita que, para seguir cumprindo sua missão, é fundamental escutá-los, convidá-los a expressar suas dificuldades e seus sonhos, bem como suas projeções para o desenvolvimento de suas produções, negócios e do setor artesanal como um todo.
É com esse intuito que realizamos a Pesquisa sobre os Desafios e Sonhos para o Artesanato Brasileiro, direcionada aos membros da Rede Artesol, um projeto que divulga, capacita e gera oportunidades para o ecossistema do artesanato nacional. O resultado desvenda um cenário complexo, onde a intenção de manter um patrimônio cultural vivo se choca com desafios contemporâneos e aponta para um futuro que exige trabalho coletivo e estratégias inovadoras na produção e circulação artesanal do país.
A pesquisa, de caráter qualitativo, foi realizada via formulário online e contou com respostas de 105 artesãos e 12 lojistas, abrangendo 22 estados e todos os biomas brasileiros.

Os desafios comuns
Em relação aos desafios, entre os achados mais comuns da pesquisa estão as dificuldades de comercialização, por conta da desvalorização do trabalho artesanal, que impactam o volume de vendas e o valor das peças. A falta de recursos para participar de feiras nacionais também limita o alcance das produções de artesãos individuais e coletivos. Além disso, a divulgação de seus trabalhos nas redes sociais ainda é um gargalo para muitos, pois, mesmo com o crescimento da inclusão digital em todo o país, no universo artesanal, ainda falta acesso ou conhecimento em relação ao uso das principais tecnologias de comunicação.

Problemas de logística também foram citados, o que é de se esperar, tendo em vista que os membros da Rede estão majoritariamente nos interiores, nas áreas rurais ou urbanas de pequeno porte, que distam dos grandes centros. Esse fato influencia no alto valor do frete para o envio de mercadorias para cidades médias ou grandes, ou para os clientes finais, no caso de encomendas ou vendas feitas pela internet. Esse tópico indica que faltam políticas de incentivo para o setor artesanal que considerem os desafios do segmento, como, por exemplo, um serviço diferenciado de transporte de produtos. A dificuldade em renovar a mão de obra também é apontada como um entrave urgente, diante da baixa adesão dos mais jovens aos ofícios artesanais.

Outro ponto de atenção que nos surpreende é a crise da matéria-prima: os relatos indicam que a mudança do clima já afeta diretamente a produção artesanal, tendo em vista que fibras, cipós, cascas, folhas, frutos, sementes, madeiras e palhas têm suas coletas diretamente impactadas por alterações nos períodos de chuva e de seca.
Ou seja, eventos extremos como as cheias no Rio Grande do Sul e as secas na Amazônia, em 2024, escancaram uma vulnerabilidade que não é apenas ambiental, mas econômica e cultural. Além disso, o aumento do custo de insumos essenciais, como linhas de algodão e metais, pressiona ainda mais a produção.

Confabulando outros futuros possíveis
Apesar dos desafios, a pesquisa reforça a percepção de que o artesanato é um ofício extraordinariamente adaptável, criativo e potente. Sendo assim, os artesãos seguem sonhando, trabalhando e criando novos futuros possíveis. Eles almejam viver dignamente do artesanato, recebendo um preço justo e transformando sua produção em fonte de renda, empregabilidade e independência financeira – especialmente para o público feminino, majoritário na Rede Artesol, que vê no artesanato uma fonte de autonomia e autoestima. O desejo por maior reconhecimento e por políticas públicas efetivas que garantam investimentos e oportunidades de participação em grandes eventos ecoa em todo o Brasil.
Alguns planejam replantar matérias-primas ou adotar práticas sustentáveis. No entanto, aqueles que planejam o replantio de seus insumos estão aquém dos que relataram dificuldades em acessá-los, o que aponta para uma possível persistência desse problema, que pode afetar todo o setor, e cuja solução demanda uma ação conjunta e coordenada de gestores, instituições de apoio, lojistas e artesãos. Há também o sonho de repassar suas técnicas e divulgar melhor seus trabalhos, abrindo ateliês e atraindo visitantes.

A Artesol lado a lado aos artesãos
Neste cenário desafiador, é motivador saber que a Artesol é reconhecida pelos participantes da pesquisa por promover capacitação e divulgação qualificada dos artesãos e suas produções, além de facilitar vendas através da plataforma Rede Artesol – Artesanato do Brasil. A exposição Arte dos Mestres e o Laboratório de Inovação Artesanal (LAB) também foram destacados como iniciativas importantes para o setor artesanal. Acreditamos que as transformações almejadas pelos artesãos só são possíveis por meio da cooperação, entre o poder público, o terceiro setor e os próprios grupos produtivos, por isso, temos orgulho em seguir pensando e criando em parceria com eles soluções que nos aproximem de um futuro mais próspero e justo.


Ana Clara Melo é cientista social de formação e mestra em Comunicação de Ciência e Cultura pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Atuou com cooperativas, grupos de economia solidária e com comunidades tradicionais no litoral paulista. Atualmente, trabalha como coordenadora técnica da Rede Artesol – Artesanato do Brasil.