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Projeto Rede Artesol conecta educação e cultura popular através de ação em escolas públicas

No último mês, a consultora da Artesol Raquel Lara levou para as escolas públicas de São Paulo conhecimentos sobre o artesanato da Amazônia, que carrega histórias milenares e traduz um modo de vida importante para a identidade cultural do Brasil.

Raquel Lara Rezende


Carregando nas mãos um grande cesto de palha cheio de peças de artesanato de diferentes etnias indígenas amazônicas, eu e o articulador Leonardo Matsuhei percorremos nove escolas em diferentes bairros da capital paulista para falar sobre a Amazônia e seu fazer artesanal.

Eu sou natural de Minas Gerais e, por muitos anos, estive envolvida em projetos de educomunicação com jovens, mas acreditava que os adolescentes paulistanos seriam muito diferentes dos estudantes mineiros, principalmente pelo contexto da metrópole que me parece ser muito marcante na construção identitária de quem nasce e vive nela. Também sabia que me depararia com uma geração muito mais conectada à internet pelos celulares e, provavelmente, menos atenta aos conteúdos didáticos nas escolas do que em outros tempos.

Para a minha surpresa, não foram as diferenças que me chamaram a atenção e, sim, as semelhanças com outros jovens de outras gerações e realidades socioculturais. Essas similaridades estão nas dimensões das escolhas, quando eles se veem em um mundo já tão cheio de informações, regras, exigências, proibições e estímulos; no processo de se adaptar e se fazer encaixar nesse mundo cheio de contradições e no desejo de se reconhecer, se enxergar e se entender dentro do coletivo em que convivem.

De forma geral, as escolas estão formatadas para preparar esses jovens para uma sociedade que se estrutura a partir de relações de trabalho e de uma lógica econômica e tecnológica capitalista. Em contraponto a essa realidade, o multiverso amazônico traz em si saberes e experiências muito diferentes desse paradigma tão presente no modo de vida urbano. Esse se tornou o ponto central, a partir do qual teci minha conversa com mais de 2.000 jovens nas escolas visitadas.

A pergunta central que norteou as palestras foi: “o que os povos tradicionais amazônicos nos ensinam”? E, além disso, “quais legados as civilizações que estiveram na região há cerca de 10 mil anos deixaram para a geração contemporânea”?

A imagem que construímos sobre a Amazônia

Uma das primeiras perguntas que trouxe em todos os encontros foi sobre as imagens que vêm à mente dos alunos quando se menciona a Amazônia. Na maior parte das vezes, as imagens mais recorrentes foram das floresta, da flora e da fauna do território. As respostas retratam o pensamento imperante nos últimos séculos, que se constituiu a partir de uma lógica de separação do ser humano da natureza.

Então, quando pensamos na Amazônia, muitas vezes, desconsideramos os povos que lá vivem – 38 milhões de habitantes. Hoje, essa ideia sobre a região vista como um grande tapete verde está se transformando, pois estamos compreendendo que as pessoas que vivem em um território também são parte dele.

Nesse contexto, é importante ressaltar que, além das florestas, rios e animais, a Amazônia é constituída pelos povos que vivem em cada curva de rio da região. A Amazônia é ocupada há mais de 10 mil anos, em alguns casos, por populações de milhares de pessoas. É de se esperar, portanto, que a floresta que hoje recobre muitos sítios arqueológicos, tenha, além de uma história natural, também uma história cultural marcada pela grande variedade de etnias indígenas que viviam na região no período pré-colonial.

Ainda hoje, essa diversidade cultural e naturalsegue presente de diferentes formas no território. São 180 etnias indígenas, mais mil comunidades quilombolas e inumeráveis comunidades tradicionais extrativistas e ribeirinhas que fazem da Amazônia o que ela é: uma região rica em medicina, alimento, artesanato, trocas, cultura e muito mais.

Potencialidade educativa do artesanato tradicional

A produção artesanal é uma das diferentes camadas do universo cultural da região norte, assim como de todo o território brasileiro. Essa produção pode ser abordada como um tema transversal que conecta diferentes áreas do conhecimento, como a geografia, a biologia, a história, o português, a filosofia, a sociologia, as artes, a física e a química, entre outras.

Em grande parte das vezes, o artesanato é criado por comunidades tradicionais com as matérias-primas disponíveis no bioma, principalmente quando se trata da região amazônica. A história dessas comunidades se mistura à história da região, do Brasil e até do mundo, como é o caso das reservas extrativistas de látex, que viveram o ciclo da borracha, exportando para o mundo, não só o produto, mas o conhecimento indígena de extração do leite da seringueira.

O portal da Artesol é uma porta de entrada para que a comunidade escolar crie conexões com esse universo do artesanato e, através dele, com outras histórias e realidades brasileiras que dizem sobre quem somos enquanto país, já que a arte nos traz a possibilidade não somente de reconhecer o outro, mas de procurar compreender como ele próprio se vê. O contato com diferentes narrativas, modos de vida e pensamentos cria um escopo muito mais complexo e interessante de referências e, por consequência, de possibilidades de pensamento e reflexão para os jovens. Nas Reserva Extrativista Tapajós-Arapiuns (PA), por exemplo, onde são criados os cestos de palha de tucumã que levamos a tiracolo nas plaestras, o modo de produção da cestaria está intimamente ligado à forma como as mulheres se organizaram coletivamente e assumiram a gestão das comunidades onde vivem, à forma como se relacionam com a biodiversidade amazônica, através do manejo sustentável da palmeira e da criação de pigmentos naturais, e ao modelo econômico que criaram no meio da floresta a partir da sua potência criativa.

Por isso, em um país tão diverso, em tantos sentidos, é muito importante levarmos as expressões da cultura popular brasileira e de diferentes paisagens geográficas e simbólicas para dentro das escolas, embora ainda sejam poucas as práticas educativas que aproximam a comunidade escolar das realidades culturais tradicionais brasileiras.

Acredito que essas primeiras palestras da Artesol abriram muitas possibilidades, perguntas, quereres em professores e estudantes. Há diversos pontos de diálogo entre a educação e o artesanato de tradição e esse encontro pode ser muito enriquecedor para ambos.

A cultura popular representa a identidade de um grupo, sua concepção particular do mundo, suas narrativas, assim como suas relações sociais. Sendo assim, conhecer os processos criativos dos artesãos e seus objetos é uma forma de revistar nossa história a partir de perspectivas mais plurais e legítimas e ampliar nossa consciência crítica, assim como entender as potencialidades transformadoras da nossa cultura.

Rede Artesol

Raquel Lara Rezende é colaboradora da Artesol. Formada em Comunicação Social, tem doutorado em Educação e transita entre as mais diversas possibilidades de expressão da cultura popular, seja como pesquisadora, artista ou jornalista.