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Têxteis do Brasil e suas Mestras

Helena Kussik


A história começa quase sempre assim: – foi com a minha mãe que aprendi.

Ou ainda: – aprendi de tanto olhar, quando a mãe saía, eu pegava o trabalho escondido e tentava fazer, assim foi.

Isso porque a história é quase sempre a mesma, a do envolvimento profundo e afetuoso das mestras dos têxteis do Brasil com suas técnicas. Seja na renda renascença, de bilros, labirinto, filé ou tecelagem, a vida que se faz intimamente tramada em suas linhas é compartilhada.

Chamamos de mestras as mulheres, chefes de família, que dominam e aprimoram uma técnica há pelo menos quarenta anos. Além disso, repassam seus conhecimentos de maneira generosa e irrestrita a toda comunidade ou a quem mais se interessar.

O desejo de se aproximarem do ofício das mais velhas vinha da admiração, mas ainda, como relatam, da necessidade de ajudarem na subsistência da família desde muito novas. Natalina Soares de Souza, mestra tecelã de Berilo (MG), conta sobre sua iniciação. “Comecei desde criança, porque não tive infância. Porque a gente, no Vale, nossas crianças, nunca que tinham infância, era só mesmo trabalhar.”

É comum ouvir da geração que tem hoje entre 40 e 70 anos, que aprenderam as técnicas artesanais com 9 ou 10 anos. Integrar as meninas com essa idade na produção familiar era uma forma de, além de auxiliar no complemento da renda doméstica, lhes ensinar uma profissão que levariam para suas vidas adultas.

Como sabemos, esse cenário vem se transformando nos últimos tempos, especialmente a partir da década de 90, com a criação do Estatuto da Criança e do Adolescente e, nos anos 2000, com políticas públicas voltados à distribuição de renda, como o Bolsa Família, que, além de erradicar a pobreza extrema, tinha como regra a frequência escolar de todos os filhos das beneficiárias.

Estamos, porém, falando de ofícios tradicionais, que enlaçam em seus pontos contextos sociais, culturais e econômicos específicos. Nesse sentido, a sociabilização através de atividades práticas é essencial para as crianças compreenderem esses laços e tornarem-se adultos conscientes de sua história.

É conhecido que uma das questões centrais para a salvaguarda das técnicas tradicionais é o repasse dos conhecimentos e envolvimento das novas gerações. Ainda segundo Natalina, porém, a juventude não tem se envolvido na produção artesanal. “Eu queria passar para minhas sobrinhas, mas os jovens querem viajar pra São Paulo, ir em busca de ter dinheiro. E esse trabalho é incerto. Pode ser que esse mês tenha dinheiro e pode ser que não, mas todos esses jovens estudaram, vestiram e calçaram graças à tecelagem. Mas acham um trabalho pesado. Todas as artesãs mais antigas ficaram sozinhas, nenhum filho ficou com as mães.”

A complexidade do cenário nos leva a refletir sobre as possibilidades de continuidade dos ofícios. Sobre isso, as respostas vindas das próprias mestras são as mais diversas e relevantes. Elas compartilham a percepção da necessidade do repasse, seja em escolas físicas ou no ambiente online, potencializando os encontros e trocas criativas.

Mestra Dinoélia Trindade, rendeira de bilros do município de Dias D’Ávila, na Bahia, destaca-se nessa luta, mobilizando-se politicamente para viabilizar projetos importantes para a comunidade, para a cultura baiana e nacional. Além de gerar renda, o trabalho na associação Rendavan (onde Dinoélia atua) contribui para a evidente melhora da autoestima das artesãs. Segundo a mestra, “empoderar a vida de uma mulher é oferecer condições para que ela venha reconhecer que é capaz.”

Com tantas transformações, é fato que o modelo de produção em que as técnicas artesanais estavam inseridas até alguns anos atrás, muito provavelmente deixará de existir nas próximas décadas. Não serão mais 300 ou 400 mulheres em uma comunidade rural a tecerem, rendarem ou bordarem noite adentro para trocarem suas produções pela comida da semana.

Porém, a graça, a sabedoria, a beleza e força que residem – e resistem – no fazer não se desfazem tão fácil, porque é (bem) feita de nós; nós que devemos conhecer para reconhecer.

“A renda, ela nos ensina muita coisa: a gente canta, a gente reza e a gente ainda produz música”, afirma Mestra Raimunda Lúcia Lopes, do Grupo Olê Rendeira, de Trairi (CE).

Para seguirmos aprendendo tudo o que a renda e os bordados têm a nos ensinar, é preciso estruturar ações educativas e formativas nas comunidades, levando os ofícios tradicionais para as escolas da rede pública. Além disso, é importante fomentar o intercâmbio – a troca de conhecimentos – entre as mestras, investir em registros materiais, como livros e vídeos para o repasse dos saberes, promover feiras para comercialização direta junto ao cliente final e estimular parcerias criativas e produtivas com o mercado especializado em moda, arte e design.

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Helena Kussik é mestre em Antropologia e atua como designer e pesquisadora. Atualmente se dedica a projetos de mapeamento de comunidades artesãs e articulação entre setores e agentes integrados na cadeia do artesanato nacional.