
Zuza - José Edvaldo Batista

As mãos que criam, criam o que?
Filho de uma família modelada no barro, Zuza lida com ele desde sempre. Mas a tradição familiar ceramista não o conduziu aos utilitários, como era de se prever. Zuza iniciou sua história junto a peças figurativas, esculturas xifópagas (que significa o indivíduo cujo corpo se encontra ligado ao do irmão; gêmeo siamês). Não sabe explicar ao certo a origem dessa inspiração. Em seguida, descobriu-se santeiro e imprimiu uma identidade própria: teve a coragem de substituir o manto, suntuosamente ornamentado, usado tradicionalmente pela igreja nas imagens religiosas, por um modelo ausente de ostentação, que assume a pobreza na representação feita, como se fosse de estopa. Um artista que faz uso de recursos simples, como palitos e canetas. Desvincula-se da estética européia e consagra, em traços e vestimentas, os negros, índios, e nordestinos através da presença da renda de bilro em menção aos reis e rainhas do Maracatu, do cocar de índio e do resplendor, presente em quase todos os santos, uma homenagem aos tupi guarani. Assim preserva a essência da arte primitiva dos antigos mestres do barro, em um trabalho autoral que propõe uma releitura do barroco com criatividade e força expressiva, assegurando contemporaneidade e raízes nordestinas.
Quem cria?
créditos: Portal do artesanao de Pernambuco
Conhecidos ceramistas de utilitários nos anos 1920, os avós de Zuza já eram artesãos. O pai, João Batista, sempre trabalhou com a tia, Severina Batista, uma das mais expressivas artistas populares do município. Assim, ainda menino, José Edvaldo Batista naturalmente dá continuidade a essa tradição. Tinha dez anos quando iniciou na cerâmica, em uma pequena olaria de José Tibúrcio e por cerca de dez anos na década de 80 trabalhou com Tiago Amorim, artista de vasta experiência e reconhecimento internacional. Não tardou a desvendar seu próprio estilo e dar ao barro novos significados partindo da realidade filtrada pelo menino que cresceu impactado pela força da arte popular e pela pobreza.
Artista plural e versátil, Zuza gosta de pintar, desenhar, escrever, compor músicas e poesias. Desde de 1975 é sócio da COOPERATA e há mais de duas décadas presta serviço ao Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (SENAR PE) através da administração regional de Pernambuco, ensinando, ao longo de todos esses anos, mais de 1500 alunos do sertão e agreste pernambucano a se descobrirem artistas do barro. Muitos deles seguiram o ofício. Historiador, é formado e pós graduado pela Universidade de Pernambuco (UPE) graças a renda garantida pelo barro. É produtor cultural cadastrado na Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco (FUNDARPE), ex-secretário de Cultura e ex-diretor de Turismo do município. Reconhecido pelo governo do estado de Pernambuco mestre de ofício, foi premiado no Salão de Arte de Pernambuco e recebeu título de Patrimônio Vivo de Tracunhaém.
Aos 61 anos, apesar de ainda não ter seu próprio atelier, um desejo ainda por realizar, orgulha-se em ter conseguido sobreviver do artesanato de barro até hoje. “Não tem coisa melhor do que você saber fazer alguma coisa e não precisar estar empregado pra sobreviver. Consegui trabalhar com artesanato a vida toda, muita gente não acredita que isso é possível”.
Onde cria?
Mestre Zuza é nascido e criado no município de Tracunhaém, Zona da Mata pernambucana, prestigiada terra da arte santeira. Um dos maiores centros de excelência na arte cerâmica do Brasil. Tracunhaém significa em tupi-guarani “panela de formiga” ou “formigueiro”. Surgiu como um povoado na primeira metade do século XVIII por exploradores de pau-brasil e criadores de gado e foi grande produtora de cana de açúcar no século 19. Diversos engenhos instalaram-se na região, mas não trouxeram prosperidade. Foi pelo artesanato em barro que se desenvolveu e em pouco tempo viu florescer um vantajoso negócio. A cerâmica utilitária, que remonta ao período colonial, era prática comum às filhas de louceiros e oleiros, que davam à argila formas lúdicas a partir da invenção de brinquedos e os pais valorizavam a criação dos filhos levando tais peças para vender nas feiras das cidades vizinhas junto com suas peças. A partir da década de 1940, a cerâmica ganha fama com a arte de Lídia Vieira e seus familiares, e posteriormente de Antônia Leão, Severina Batista (tia de Zuza) e Baé, já falecidos. Hoje a cerâmica artesanal domina a atividade econômica da cidade, com dezenas de ateliês e oficinas de barro. A maioria modela sem o uso do torno de oleiro e utiliza rústicos fornos a lenha para a queima. Tracunhaém também se destaca pela arte figurativa e decorativa do barro inspirados nas imagens do cotidiano, da cultura popular e da fé religiosa.
“A riqueza da gente é saber fazer a arte”.
Rede nacional do artesanato
cultural brasileiro
